Política

Investigado por corrupção, chefe do MP de Tocantins se aposenta com salário integral

Pedido de afastamento ocorre seis dias depois de conselho abrir sindicância
O procurador-geral de Justiça do Tocantins, Clenan Renaut Pereira Foto: Divulgação
O procurador-geral de Justiça do Tocantins, Clenan Renaut Pereira Foto: Divulgação

BRASÍLIA — Investigado num novo inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por suspeitas de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude em licitações, o procurador-geral de Justiça do Tocantins, Clenan Renaut Pereira, decidiu pedir aposentadoria, o que foi concedido pelo Ministério Público (MP) do estado nesta segunda-feira. O afastamento de Renaut – autoridade máxima do MP tocantinense – ocorre seis dias depois de o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidir reabrir uma sindicância que investiga os mesmos fatos apurados no inquérito do STJ.

O GLOBO revelou no último dia 2 a decisão do STJ de determinar a abertura do inquérito para investigar Renaut . A decisão do ministro Mauro Campbell foi assinada menos de um mês depois de o CNMP ter arquivado a sindicância – o colegiado é responsável por fiscalizar a atuação de integrantes do MP. Após a revelação da reportagem, o plenário do CNMP aprovou por maioria, no último dia 15, proposta de desarquivamento da sindicância. O fim das investigações, sem punição ao chefe do MP de Tocantins, havia sido decidido de forma monocrática pela Corregedoria Nacional do Ministério Público.

O novo entendimento, manifestado em plenário, foi de existência de indícios de irregularidades na atuação do procurador-geral de Justiça. Ele teria requisitado ao secretário de Infraestrutura do estado, Sérgio Leão, informações sobre quais fornecedores do governo local haviam sido pagos, além de ter determinado que fossem feitos pagamentos a construtoras e mantenedoras de rodovias, apesar de o Tribunal de Contas do Estado (TCE) apontar indícios de fraudes na execução dos contratos.

Agora, o procurador-geral está aposentado, com "proventos integrais" de R$ 30,4 mil, conforme decisão publicada nesta segunda no Diário Oficial do MP de Tocantins. O ato é assinado pelo subprocurador-geral de Justiça, José Omar de Almeida Júnior. A aposentadoria tem natureza "voluntária", como consta na decisão, e o custeio da aposentadoria sairá do Fundo de Previdência do Estado do Tocantins (Funprev).

No CNMP, o entendimento é que a aposentadoria não invalida a continuidade da sindicância reaberta. Se Renaut for punido com demissão, a aposentadoria poderá ser cassada, como prevê a própria lei do MP do Tocantins.

O inquérito determinado pelo STJ deve investigar uma "possível atuação criminosa" do governador cassado de Tocantins, Marcelo Miranda (PMDB); do procurador-geral de Justiça do estado; do filho dele, Renan Pereira; e do secretário de Infraestrutura do governo de Miranda, Sérgio Leão. O pedido partiu do Ministério Público Federal (MPF), que ainda solicitou ao STJ a instauração de mais seis inquéritos, com outros investigados, por suspeitas relacionadas à Operação Ápia. O ministro Campbell determinou a abertura dos sete inquéritos.

O caso envolvendo o procurador-geral de Justiça diz respeito à Operação Convergência, uma das fases da Operação Ápia. A Convergência foi deflagrada em agosto do ano passado. A Polícia Federal (PF) cumpriu mandados de busca e apreensão na casa e no gabinete de Renaut. Numa fase anterior da Ápia, o filho do procurador-geral chegou a ser preso pela PF.

O esquema investigado envolve supostas fraudes em licitações de terraplanagem e pavimentação asfáltica no Tocantins, com desvios na ordem de R$ 200 milhões. As suspeitas são de que obras de infraestrutura rodoviária geraram créditos indevidos a empresários.

Na decisão em que determina a "imediata instauração de novos inquéritos", o ministro do STJ levantou o sigilo da ação penal em que são réus Marcelo Miranda e mais sete pessoas. Foi a partir dessa ação que surgiram os novos inquéritos. Mesmo com o fim do sigilo, o gabinete do ministro Campbell e a Corte Especial do STJ não autorizam o acesso aos autos, o que permitiria saber com exatidão as suspeitas que pesam contra o procurador-geral de Justiça de Tocantins.

Em 2017, uma sindicância sigilosa foi instaurada no âmbito do CNMP, a cargo do corregedor nacional do MP, Orlando Rochadel Moreira. Em 12 de março deste ano, o corregedor chegou a uma conclusão: "Por não vislumbrar qualquer infração disciplinar ou ilegalidade praticada pelo sindicado Clenan Renaut de Melo Pereira, determino o arquivamento da presente sindicância, com fundamento no artigo 84 do regimento interno do CNMP". A decisão foi comunicada ao plenário. Nenhum conselheiro se opôs.

O procurador-geral de Justiça sustentou que os fatos apurados na Operação Convergência, no que diz respeito a uma suposta participação dele no esquema, foram "objeto de investigação por parte da Corregedoria Nacional do MP, que arquivou o procedimento por não haver indícios de ilícito penal ou administrativo". "Relata que não possui nenhuma relação com licitações realizadas pelo Poder Executivo do estado do Tocantins, não havendo que se falar em atribuição de qualquer tipo de crime contra a administração pública, conforme a apuração do órgão censor", disse em nota enviada em 2 de maio.

Renaut afirmou ainda que seu relacionamento com o governador Marcelo Miranda "se restringiu ao estrito cumprimento do dever institucional, ou seja, na defesa dos interesses do Ministério Público do Estado". O procurador-geral disse que não é investigado na Operação Reis do Gado. Miranda chegou a ser conduzido coercitivamente nessa operação para depor. A PF investigava suposta lavagem de dinheiro – com a compra de gado e fazendas, por exemplo – para ocultar patrimônio fruto de desvios de contratos do governo local.