Por Barbara Carvalho, Marcelo Gomes e Robson Sales, GloboNews


União repassou R$ 1,8 bi aos estados, mas nenhuma vaga foi criada no sistema penitenciário

União repassou R$ 1,8 bi aos estados, mas nenhuma vaga foi criada no sistema penitenciário

O Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) repassou, em 2016 e 2017, R$ 1,8 bilhão para todos os 26 Estados e o Distrito Federal investirem na construção de novas vagas e na modernização de presídios, informa relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) aprovado na semana passada. Mas, de acordo com o relatório, nenhuma vaga foi aberta no país nesse período,

A transferência do dinheiro é feita fundo a fundo – do Fundo Penitenciário Nacional para os fundos penitenciários estaduais. O objetivo é que os recursos sejam transferidos diretamente da União para os Estados, sem precisar de assinatura de convênios ou contrapartidas.

Os Estados precisam criar projetos e apresentá-los para validação pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Mas, devido à falta de projetos, o dinheiro ficou parado nos fundos estaduais, segundo o relatório do TCU.

Nos dois anos (2016 e 2017), somente sete Estados fizeram algum investimento, de acordo com o relatório. Goiás foi o que mais investiu o dinheiro do Funpen: 24,73% do montante repassado. Distrito Federal e Rio Grande do Sul não informaram os valores gastos. Em todos os outros Estados, o investimento foi zero, apontou o TCU.

Em 2016, o montante repassado pelo Funpen para os Estados foi de R$ 1,2 bilhão (R$ 44,7 milhões para cada uma das 27 unidades da federação). Desse total, mais de R$ 800 milhões são destinados à construção de novos presídios e à reforma e ampliação dos que já existem. Mas, segundo o TCU, somente 2% desse valor (R$ 18,9 milhões) foram, de fato, investidos até agora.

“Os estados, muitas vezes, não conseguem se planejar, não conseguem monitorar a aplicação desse dinheiro. Existem atrasos depois de atrasos. E a gente está numa situação de crescente tensão, com uma população carcerária que, daqui a pouco, vai bater em 1 milhão de pessoas, sendo que quase 40% esperando ainda serem julgados", afirmou Marco Aurelio Ruediger, diretor da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP-FGV).

Para Marco Ruediger, a situação é "de uma dramaticidade enorme" porque o controle do sistema carcerário é disputado por facções. "Mas, sobretudo, o mais triste é que no Brasil não tem falta de dinheiro. Tem falta de gestão e de transparência”, disse.

De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Brasil tinha 726.712 presos em junho de 2016, a terceira população carcerária do mundo. Desde 1990, o número de presidiários aumentou mais de oito vezes, mas a quantidade de vagas diminuiu de 371 mil para 368 mil. Em média, a taxa de ocupação do sistema prisional é de 197,4% – ou seja, as cadeias brasileiras abrigam quase o dobro de presos que poderiam receber.

“A urgência por ampliação, modernização, investimentos, para tornar minimamente digno o sistema carcerário é enorme. E essa questão alimenta uma série de problemas em cadeia, porque o presídio superlotado gera tensão, violência, morte e insegurança”, afirma o procurador regional da República Rogério Nascimento, que, como conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) até março deste ano, foi responsável por fiscalizar diversos presídios onde ocorreram rebeliões nos últimos anos.

O que dizem os governos estaduais

A GloboNews entrou em contato com os governos dos 26 Estados e do Distrito Federal. Bahia e Ceará não possuíam um Fundo Penitenciário Estadual e, por isso, inicialmente não puderam receber os recursos do Funpen. Só no fim do ano passado, o fundo foi criado nos dois Estados.

Veja abaixo as íntegras de notas enviadas pelos governos estaduais que tinham respondido até a última atualização desta reportagem.

AMAZONAS - A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informa que os investimentos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) destinados ao Amazonas para a construção de novas unidades foi o do ano de 2016, no caso cerca de R$32 milhões para as obras nos municípios de Manacapuru e Parintins. A licitação foi concluída, foram habilitadas as empresas, e ainda estão sendo realizados os últimos trâmites administrativos na Comissão Geral de Licitação do Amazonas (CGL-AM) na fase de recurso de licitação. A previsão de entrega das duas obras é pra 2020, com 256 vagas em cada.

DISTRITO FEDERAL - A Secretaria da Segurança Pública e da Paz Social (SSP/DF) informa que o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) destinou, em 2016, cerca de R$ 44,7 milhões ao Distrito Federal. Deste valor, cerca de R$ 32 milhões serão utilizados para a construção de um estabelecimento prisional, a Penitenciária do Distrito Federal III (PDF III), voltada para o público masculino. O restante do valor será aplicado na compra de veículos para transporte de presos, coletes balísticos, equipamentos de informática e, ainda, na locação de cinco escâneres corporais.

Com o recurso de 2017, cerca de R$ 12,7 milhões, serão construídas mais 200 vagas na PDF III. O investimento também será utilizado na compra de equipamentos de informática e na locação de mais cinco escâneres corporais. Destacamos que o prazo para a utilização dos recursos de 2016 foi prorrogado pelo Ministério da Justiça até dezembro de 2018. A data para o uso dos recursos de 2017 também é dezembro deste ano.

MATO GROSSO - Mato Grosso, assim como os demais estados da federação, recebeu do Fundo Penitenciário Nacional, referente ao exercício de 2016, o recurso de R$ 44 milhões para investimentos em ampliação e construção de unidades prisionais e aparelhamento e custeio de atividades do Sistema Penitenciário. Desse valor, R$ 31.944 milhões foram alocados para as construções de duas novas unidades – uma na cidade de Alta Floresta, com 264 vagas, na região Norte do estado; outra em Sapezal, na região Noroeste, para 136 vagas, e ainda a ampliação da Penitenciária de Sinop, também na região Norte para mais 200 vagas.

Destacamos que os a construção e ampliação das unidades demoraram a ser aprovadas devido à burocracia, excesso de exigências e falta de estrutura do Departamento Penitenciário Nacional para analisar os projetos arquitetônicos, e somente agora, em 2018, a Secretaria de Justiça de Mato Grosso obteve a aprovação para dar sequência à licitação das obras.

Além dessas novas unidades cuja licitação deverá ser lançada ainda neste semestre, o Estado está com duas unidades com a construção em andamento: uma de grande porte, com 1.008 vagas, e outra de médio porte para 256 vagas, totalizando o incremento de 1.264 novas vagas que deverão ser entregues neste ano.

O restante do recurso recebido do Funpen 2016 foi aplicado na aquisição de equipamentos táticos, equipamentos de proteção individual (coletes, capacetes e escudos balísticos), armamentos, munições letais e não letais, kits químicos, veículos operacionais e equipamentos de informática para instalação do Sistema de Gestão Penitenciária nas unidades prisionais. Vale ressaltar que esse investimento já foi entregue às unidades do Sistema Penitenciário Estadual.

Em relação ao desconhecimento de informações sobre custos de preso no Sistema Penitenciário e perfil da população prisional, ressaltamos que em Mato Grosso tal afirmação não procede. O Estado tem um custo médio mensal de R$ 2,790 mil por preso.

Mato Grosso tem uma população prisional em regime fechado de 11.500 presos, entre condenados e provisórios, distribuída em 55 unidades.

MINAS GERAIS - Os recursos disponibilizados pelo Depen foram direcionados para aquisição de equipamentos, veículos, armamento e ampliação do número de vagas. Os recursos destinados para aquisições de instrumentos de trabalho estão sendo executados normalmente por Minas Gerais. Os recursos para ampliação de vagas ainda não foram executados, pois cabe ao Depen analisar a planilha orçamentária das obras propostas pelo Estado.

Nas unidades administradas pela Secretaria de Administração Prisional (Seap), o custo médio de cada preso, agrupando-se a manutenção do detento no sistema, ou seja, gastos com alimentação, estudo, trabalho, itens de higiene, água, luz, pagamento de servidores, etc., fica em torno de R$ 2.700 por preso/mês, variando segundo a lotação da unidade.

PARANÁ - A Secretaria Especial de Administração Penitenciária do Paraná informa que aguarda o Departamento Penitenciário Nacional aprovar os projetos complementares e de orçamento para iniciar a obra de construção de um presídio modular no Complexo de Piraquara. A previsão é que a nova penitenciária abra 636 novas vagas. Os recursos repassados ao Governo do Paraná são oriundos do Fundo Penitenciário Nacional. Por anos, este fundo ficou contingenciado e foi liberado para os Estados no início de 2017. O Paraná recebeu R$ 44 milhões, sendo que aproximadamente R$ 35 milhões serão destinados à construção do novo presídio.

RIO GRANDE DO SUL - O Estado do Rio Grande do Sul não devolveu nenhuma verba do Fundo Penitenciário Nacional. O Estado está cumprindo o cronograma de trabalho apresentado pelo Depen. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) já recebeu diversos equipamentos de segurança, para reaparelhamento da instituição. São coletes, armas, munições, scanner, e outros itens estão em licitação.

Quanto aos recursos recebidos em 2016: serão construídas duas Cadeias Públicas, nos municípios de Caxias do Sul e Rio Grande. Atualmente a Susepe já encaminhou os projetos arquitetônico e orçamentos para análise e aprovação do Depen.

Quanto aos recursos recebidos em 2017: ampliação de vagas na Penitenciária de Canoas I, no momento estamos na montagem de elementos técnicos para serem encaminhados ao Depen. Para o Presídio de Passo Fundo está sendo elaborado um projeto e orçamento para reforma geral do estabelecimento penal.

SÃO PAULO - A Secretaria da Administração Penitenciária esclarece que os recursos Funpen (R$ 74,4 milhões) , referentes ao ano 2017, só foram recebidos em 2018. Eles serão utilizados tanto na construção de novas vagas, como na modernização de equipamentos e locação de serviços (bloqueadores de celular e scanners corporais), tudo de acordo com as regras previstas pelo próprio Fundo Federal. Com relação ao recursos referentes ao ano de 2016, São Paulo recebeu R$ 44,7 milhões. Deste total, R$ 12,8 milhões foram aplicados na aquisição de equipamentos de segurança para as unidades prisionais (modernização) e R$ 4 milhões para locação de scanners corporais (custeio).

Os R$ 31,9 milhões restantes, destinados à construção, devem ser utilizados até 31/12/2018. Inicialmente, os R$ 31,9 milhões deveriam ser utilizados até o final de 2017. No entanto, considerando que o custo de construção de uma unidade prisional em São Paulo atualmente é de cerca de R$ 50 milhões, a SAP solicitou ao DEPEN que o valor disponível fosse utilizado em reformas, já que o valor é insuficiente para a construção de um novo presídio. A solicitação foi negada. A Secretaria então submeteu projeto e orçamento para construção de uma unidade prisional para análise e avaliação do DEPEN, sendo solicitada a prorrogação de prazo para utilização do recurso. O Ministério da Justiça concedeu autorização para uso desses recursos até 31/12/2018. A nova unidade irá gerar mais 847 vagas para presos e, se necessário, terá complemento financeiro proveniente do tesouro estadual.

Aproveitamos para esclarecer que, no período citado, a SAP inaugurou quatro presídios: duas penitenciárias masculinas, uma feminina e um Centro de Detenção Provisória, sendo três com recursos do próprio Tesouro Estadual e a Penitenciária Feminina com recursos doTesouro Estadual e financiamento do BNDES. Foram geradas no total 3.383 vagas para o sistema prisional paulista.

A Secretaria da Administração Penitenciária também quer deixar consignado que a burocracia exigida pelo Departamento Penitenciário Nacional, para construção de prisões com recursos federais, é extremamente complicada, reclamação esta não apenas de São Paulo, mas da grande maioria dos gestores prisionais de todo o Brasil.

TOCANTINS - No Tocantins, serão abertas cerca de 1.300 vagas prisionais a partir deste ano de 2018. Com isso, o Governo do Estado, por meio da Secretaria da Cidadania e Justiça (Seciju), planeja reduzir em até 75% o déficit de vagas em unidades prisionais. Juntos, os investimentos somam cerca de R$ 73.000.000,00.

Obras:

CPP Palmas – Ampliação da Casa de Prisão Provisória de Palmas (CPPP) que, além dos atuais dois pavilhões, ganhará mais um novo pavilhão com capacidade para até 48 reeducandos. Status: obra já foi iniciada e custará ao Governo do Estado R$ 1.890.480,12.

Cariri - Construção da Unidade de Tratamento Penal de Cariri (UTPC), em Cariri do Tocantins. Os recursos são da ordem de R$ 34 milhões oriundos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), via transferência para o Fundo Penitenciário Estadual (Funpes). Status: processo de licitação concluído e projetos em análise no Depen. Essa nova unidade ofertará mais 576 vagas ao Sistema Penitenciário. Ela será construída no sistema modular.

Serra do Carmo - Construção do Complexo Prisional Serra do Carmo, no município de Aparecida do Rio Negro. A unidade ofertará 603 novas vagas ao custo de R$ 34.000.000,00, fruto de convênio federal com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, com destinação exclusiva para esse propósito. Status: contrato assinado com a empresa vencedora da licitação e a Ordem de Serviço será assinada em até 30 dias.

Luz do Amanhã - Reforma e ampliação do Centro de Reeducação Social Luz do Amanhã, em Cariri, obra financiada com recursos do tesouro do estado, orçada em R$ 3,1 milhões e que abre mais 48 vagas na unidade.

No momento, a população carcerária do Tocantins é de cerca de 3.700 reeducandos para 1.948 vagas, divididas em 41 unidades prisionais. O déficit é de 1.743 vagas no sistema.

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