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Política Michel Temer

Artigo: Delação dos irmãos Batista foi um divisor de águas para as colaborações premiadas

Delação dos empresários mudou a maneira como acordos são vistos no Brasil
Joesley Batista em sessão no Senado Federal Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo
Joesley Batista em sessão no Senado Federal Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo

RIO — O acordo dos irmãos Batista transformou o modo como o país enxerga as colaborações — ou delações — premiadas. A versão atual das regras de delação foi criada em 2013 mas conheceu seu caso mais desafiador justamente há um ano, quando se tornavam públicas as provas apresentadas pelos irmãos Batista contra centenas de políticos, incluindo o presidente da República.

A partir da notícia da delação, discutia-se então a renúncia do presidente Temer como se fosse mera questão de tempo. A má qualidade do áudio que implica Temer frustrou quem esperava a bala de prata, e o terremoto não foi confirmado. Mas a delação tinha muita carne e aos poucos deu corpo às duas denúncias contra o presidente e à medida cautelar de suspensão do mandato de Aécio Neves.

Nos dois casos —Temer e Aécio— a delação entregou o que prometia mas houve obstrução dos processos no âmbito político. Os deputados, a um alto custo de emendas parlamentares, preservaram Temer. Já os senadores, respaldados pelo STF que lhes deu o poder de decidir sobre a suspensão de seus próprios mandatos, decidiram o óbvio: salvou Aécio.

Elementos externos à delação enfraqueceram seus resultados e com isso reforçaram o argumento de que não foi um bom negócio para a sociedade. Mais do que isso, para além de Joesley e Wesley, o caso pode ter enfraquecido o próprio instituto da delação premiada.

Desde seu início, o caso dos Batista foi uma sucessão de surpresas. Se ainda havia dúvidas sobre a relação custo-benefício daquela delação, uma lucrativa operação de câmbio fez pender a balança da opinião pública contra os irmãos. Em seguida, uma confissão acidental colocou em xeque a validade do acordo. (uma conversa gravada por engano entre Joesley e um executivo da JBS, em que surgiu  um relato em que indicava uma tentativa de cooptação de um procurador ligado a Janot)

As delações — qualquer uma delas— levam a benefícios como redução da pena mas apenas excepcionalmente à imunidade ou perdão judicial. Embora a decisão sobre o benefício caiba ao policial ou promotor, com a anuência do relator do caso, a percepção do público tem enorme impacto para delações futuras. Ao conceder o prêmio máximo a um criminoso confesso, não deve haver dúvidas sobre a vantagem para a investigação.

Por essa razão, a delação dos donos da JBS parece ser um divisor de águas. Ao prometer muito, desapontou. Ao enfrentar as incertezas do processo político, perdeu força. Ao buscar legitimar-se, perdeu a opinião pública.

Seja qual for o desfecho, o custo de se propor delações após o caso dos irmãos Batista já é bem mais alto do que era antes. Raquel Dodge parece contar menos com as delações do que fazia seu antecessor, mas sempre que tentar um novo acordo, será medida pela régua deste caso.

*Professor da FGV Direito Rio