Redes Sociais:
HomeNotíciaPolíticaOposicionista venezuelano Antonio Ledezma diz que eleições convocadas por Maduro são uma farsa

Oposicionista venezuelano Antonio Ledezma diz que eleições convocadas por Maduro são uma farsa

Partilha

Antonio Ledezma, advogado, 63 anos, é um dos principais líderes da oposição ao regime do presidente venezuelano Nicolás Maduro. Em entrevista ao Portugal Digital/África 21 Digital falou da tragédia em que se encontra o seu país, disse que cresce o descontentamento entre os militares, apelou a mais sanções internacionais e afirmou que as recentes negociações em Santo Domingo foram uma farsa montada por Maduro para ganhar tempo.


Alfredo Prado


Foto: antonioledezmav.com

No último fim de semana, Ledezma esteve em Brasília para contatos com autoridades brasileiras, nomeadamente com o ministro das Relações Exteriores,  Aloysio Nunes Ferreira, e com o presidente Michel Temer. O encontro foi alargado ao recém-empossado presidente do Chile, Sebastián Piñera, que efetuava a sua primeira visita oficial ao Brasil.

A busca de apoios internacionais e o apelo ao não reconhecimento das eleições presidenciais na Venezuela, convocadas por Maduro para o próximo dia 20, estiveram no centro das conversas mantidas pelo ex-prefeito da região metropolitana de Caracas, que, em outubro do ano passado, evadiu-se da sua residência, onde se encontrava confinado em regime de prisão domiciliar, e, com a ajuda de militares, segundo disse, atravessou a fronteira com a vizinha Colômbia, de onde partiu para Espanha, onde vive atualmente.

Na manhã de sábado,  Ledezma, fundador do pequeno partido Aliança Bravo Pueblo,  deu uma entrevista ao Portugal Digital/África 21 Digital, num hotel de Brasília.

Com voz pausada e discurso solto, o político venezuelano traçou um quadro da situação econômica, social e política em que o seu país se encontra.

Até há não muitos anos, a Venezuela era um dos mais ricos países da América do Sul, graças às gigantescas reservas de petróleo. Hoje, apesar do petróleo, os venezuelanos enfrentam uma crise sem paralelo na sua história. Uma história marcada pela libertação dos conquistadores espanhóis, por profunda desigualdade social, injustiças e revoltas lideradas por chefes militares guiados, frequentemente, por interesses próprios, sob o manto de discursos populistas.

Quando Hugo Chávez, à frente de militares, assumiu o poder, nos anos noventa do século passado, largos setores da sociedade venezuelana olharam com simpatia o que veio a ser chamado de revolução bolivariana. Mas, o desencanto, ainda com Chávez no poder, não tardou. E a morte prematura do “caudilho” do século XX, vítima de doença, colocou no comando do país um antigo sindicalista, Nicolás Maduro, que acelerou o processo de ruptura económica, social e política que conduziu o país à profunda crise em que está mergulhado.

O empobrecimento da população da Venezuela, onde vive cerca de meio milhão de portugueses, na sua maioria originários da Ilha da Madeira e luso-descendentes, assume a grandeza de uma tragédia coletiva. Cerca de 87% da população de 31,5 milhões vive em situação de pobreza e 61% fazem parte dos que podem ser incluídos na faixa da extrema pobreza, ou seja, os que, de acordo com critérios das Nações Unidas, vivem com menos de US$ 1 dólar por dia.

A criminalidade e o número de mortes violentas têm vindo a aumentar exponencialmente, mais de 300 mil crianças apresentaram sintomas crónicos de desnutrição, a mortalidade materno-infantil cresceu mais de 60%, e a malária, dada como erradicada em todo o país, inclusive na região amazônica, nos anos sessenta, voltou a eclodir, tendo sido registradas em 2017 cerca de 500 mil pessoas com sintomas de malária, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).

Hoje, “a Venezuela tem a dívida pública mais alta do planeta e os juros dessa dívida chegam a 70 mil milhões ( 70 bilhões) de euros”, aponta Ledezma. Outro indicador que evidencia a gravidade da crise é a desvalorização cambial. No governo Chávez, US$ 1 dólar valia 570 bolívares. Atualmente, são precisos 700 milhões de bolívares para comprar esse mesmo dólar.

Antonio Ledezma, que se apresenta como um “social-democrata liberal”, não poupa críticas ao regime.

Diz que o problema não é de esquerda ou direita, mas sim de “usurpação do poder por uma camarilha, de militares e forças policiais controladas por Maduro, que reprime o povo”.  “Os ditadores podem ser de direita ou de esquerda”, enfatiza. O dirigente oposicionista esclarece que a sustentação militarizada de Maduro não é homogênea. “Hoje, há divisões nas Forças Armadas. Muitos militares estão presos. Um deles é o general Miguel Rodriguez Torres, ex-chavista”. “Há uma fermentação [ de revolta] na casta militar, há descontentamento, há fome nos quartéis”, diz.

Durante muito tempo, a chamada “revolução bolivariana” em países da América Latina, em particular na Venezuela, Bolívia e Equador, a par do “petismo” no Brasil, foram vistos com simpatia – e ainda o são, em alguns casos – por organizações de esquerda da Europa.

O apoio mais ou menos explícito de Cuba contribuiu para essa visão, em muitos casos romântica, de governos populistas que mesclam, frequentemente, análises marxistas e receitas religiosas, conservadorismo e progressismo, alianças à direita e à esquerda, em percursos errantes, como aconteceu, em certa medida no Brasil com os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), liderado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,hoje condenado por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Ledezma considera que o que acontece na Venezuela “não é um problema ideológico, mas sim um grande desrespeito por qualquer ideologia. Eles [os seguidores de Maduro] dizem que são de esquerda, então isso é um grande desprestígio para a esquerda”, avalia o político que se auto-define como um social-democrata liberal,  defensor de um sistema e de uma solução de “economia solidária de mercado, de liberdade, de justiça, de um Estado de direito”. “Os verdadeiros líderes históricos da esquerda venezuelana acabaram rejeitando Chávez e Maduro”, argumenta. Refere, entre outros, o antigo líder comunista Pompeyo Márquez, falecido em junho de 2017,  que foi também fundador do MAS (Movimento para o Socialismo) e foi opositor de Chávez no partido Nova Esquerda, e o advogado, ex-guerrilheiro e político Americo Martin, que também se opôs a Chávez.

Hoje, Maduro conta com a sustentação política do pequeno Partido Comunista de Venezuela e do Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV), criado por Chávez.

Negociações para ganhar tempo

As diferenças e divergências entre os vários partidos e organizações que integram a Mesa de Unidade – frente da oposição ao regime de Maduro – têm, de algum modo, favorecido a manutenção de Maduro no poder.

Ledezma considera que as negociações que decorreram recentemente em São Domingo entre representantes da oposição e do governo foram uma “farsa”,  “aproveitada por Maduro para ganhar tempo”. E diz que eventual participação de partidos oposicionistas nas eleições convocadas para dia 20 de maio seria um equívoco, já que os poderes de soberania popular foram “sequestrados” pelo regime. Daí o pedido para que a comunidade internacional não reconheça o ato eleitoral.  O opositor defende também que sejam reforçadas e ampliadas as sanções  “não contra o povo, mas contra o regime”,  como as já adotadas pela  União Europeia, Suíça e Canadá, entre outros.

O ex-prefeito de Caracas está confiante nos resultados da campanha internacional para que Maduro seja afastado da presidência e diz que qualquer processo negocial “deverá ser realizado com base na lei nacional”, lembrando, a este propósito, que Nicolás Maduro “nunca poderia ser presidente do país dado ter nacionalidade colombiana.”

O líder oposicionista afirma que “todos os esforços estão produzindo resultados” e confia  que os militares “cumprirão a Constituição”. Para António Ledezma, o afastamento de Maduro é inevitável.

Correção: Contrariamente ao escrito inicialmente, o oposicionista Américo Martin não faleceu em 2013. Martin está vivo e escreve artigos de opinião. Pelo erro, as nossas desculpas a Américo Martin e aos nossos leitores. AP


Partilha

Nenhum comentário

Desculpe, o formulário de comentários está fechado neste momento.

África 21 Digital