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Saúde Ciência

‘Não fracassamos, nosso trabalho é que não acabou’, diz cientista

Para Jim Bell, pesquisadores precisam se comunicar melhor com público leigo

Ilustração mostra a ‘Terra plana’ que alguns negacionistas da ciência dizem ser o real formato de nosso planeta: falta de conhecimento deve ser combatida com mais e melhor informação
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Shutterstock/Elena Schweitzer
Ilustração mostra a ‘Terra plana’ que alguns negacionistas da ciência dizem ser o real formato de nosso planeta: falta de conhecimento deve ser combatida com mais e melhor informação Foto: Shutterstock/Elena Schweitzer

RIO - Presidente do Conselho Diretor da Planetary Society, Jim Bell se diz um otimista inveterado. Para ele, o recente avanço de movimentos obscurantistas e de negação da ciência, como o terraplanismo e a antivacinação, são só um sinal de que a mensagem do conhecimento ainda não está chegando a todos como deveria.

Além de participar do comando de uma das principais organizações de divulgação científica do mundo, Bell é professor de geociências na Universidade do Estado do Arizona. Recentemente, esteve no Rio a passeio, gozando de um “ano sabático”. Mas não deixou de lado o papel de emissário da ciência legado pelo astrônomo americano Carl Sagan (1934-1996), um dos fundadores da Planetary Society, em 1980. Convidado pelo Planetário do Rio, fez uma palestra para centenas de alunos do CIEP Presidente Agostinho Neto, de ensino bilíngue, e se surpreendeu com a compreensão, o interesse e a desenvoltura dos alunos sobre os assuntos abordados. Em entrevista ao GLOBO, Bell abordou o futuro da exploração do espaço, os projetos de turismo e mineração espacial e a busca por vida extraterrestre:

Um dos fundadores da Planetary Society, o astrônomo Carl Sagan dizia que a ciência era a vela na escuridão a iluminar o caminho em um mundo assombrado pelos “demônios” da superstição e do falso conhecimento. Hoje, no entanto, vemos o surgimento e crescimento de movimentos obscurantistas e negacionistas da ciência, como o criacionismo, o terraplanismo e antivacinação. Fracassamos?

Não acho que fracassamos, só que nosso trabalho ainda não está terminado. A mensagem da ciência ainda não está chegando a todos que deveria chegar. Em parte por culpa dos próprios cientistas. Precisamos nos comunicar melhor para alcançar mais o público em geral. Os contribuintes pagam pelas pesquisas que fazemos e precisam saber que estão usando seus resultados na medicina, nos transportes, em casa. Mais cientistas precisam se engajar na comunicação com o público.

Mas também é em parte culpa da mídia. Pelo menos nos EUA os jornalistas são treinados para buscar o confronto de ideias, a acreditar e mostrar que existem dois lados em todas as histórias. Em muitas questões isso é o certo a fazer, mas se 99% cientistas acreditam numa coisa e 1% noutra coisa, a cobertura se foca no conflito, e não na desproporção da história. Um exemplo disso é a questão das mudanças climáticas. Nos EUA, a opinião da minoria não é mostrada como a posição de uma minoria muito pequena, mas com peso igual ao da vasta maioria. E isso é um problema.

Outro problema é a maneira como as pessoas estão consumindo as notícias. Muitas não são céticas o suficiente. Sim, claro que como cientistas podemos estar abertos à ideia de que talvez 99% dos cientistas estejam errados. Temos que ser céticos, mas também temos que pesar as evidências. Mas nos EUA as empresas de mídia não estão muito interessadas nas evidências, e sim no conflito humano. Isso traz mais audiência.

Pôsteres produzidos a pedido da Nasa anunciam fictícias viagens turísticas pelo Sistema Solar e além Foto: Nasa/JPL
Pôsteres produzidos a pedido da Nasa anunciam fictícias viagens turísticas pelo Sistema Solar e além Foto: Nasa/JPL

E quanto à educação do público? Isso também é em parte responsabilidade dos sistemas de educação, da falta de estímulo para carreiras ligadas à ciência e tecnologia?

Nos EUA mesmo os sistemas educacionais têm uma enorme variação, e creio que no resto do mundo também. Mais uma vez, muitas vezes as questões científicas são apresentadas como hipóteses do que como teorias, como no caso da evolução e das mudanças climáticas. A vasta maioria das evidências apoiam estas noções, então elas se tornam teorias. Mas muitas pessoas que controlam os sistemas educacionais querem mantê-las como meras hipóteses, ideias, o que acaba criando uma certa confusão no público. O público depende dos professores, dos educadores para apresentarem os fatos. E, como sabemos, são tempos difíceis para os fatos agora. Muita coisa está aberta para interpretações, muitas coisas são apresentadas como uma crença dos cientistas, e não o que os dados, os experimentos estão mostrando para os cientistas.

É como uma construção do discurso. Não estamos falando de uma “crença” dos cientistas. É o que os experimentos, as observações estão mostrando. Não é uma questão de fé...

Exato. Mas alguns políticos e grupos de interesse distorcem o discurso para tentar manter algumas questões em aberto, dizendo: “não, mas alguns cientistas dizem essa outra coisa”. Mas é uma minoria muito pequena. Eles podem ter boas intenções, mas algumas vezes não. Algumas vezes eles trabalham para grandes empresas petrolíferas ou algo assim e precisam defender certas coisas. E tudo isso cria incerteza e confusão no público em geral, que não tem uma formação científica e depende da mídia ou dos professores como fontes de informação. Então é responsabilidade da comunidade científica se comunicar com o público e ajudar as pessoas a se educarem e pensarem por si mesmas, aprenderem por si mesmas. Falo muito com crianças e não digo a elas que devem se tornar cientistas, mas que seria bom para elas se apenas pensassem como um cientista. Sejam céticas, sejam críticas, sempre tentem ver as coisas por si mesmas, procurem as evidências a favor e contra algo e tomem suas próprias decisões baseadas nessas evidências. Isso serve seja para lançar um foguete para a Lua ou consertar a pia da cozinha. Não importa. Você ainda pode e deve pensar assim. Acho que este é o caminho.

Sim, a negação da ciência por parte do público é um problema, mas é um problema ainda maior quando este tipo de negação chega ao poder, como nos EUA líderes como o presidente Donald Trump afirmando que “não acreditam” no aquecimento global e nas mudanças climáticas e efetivamente barrando políticas para seu combate ou mitigação, não?

Sim, é muito frustrante para os cientistas quando nossos líderes parecem não estar recebendo ou vendo toda a história, seja por não tentarem pensar por si mesmos, ver por si mesmos o que está acontecendo ou, pior, que não queiram ver. Afinal, existem forças poderosas no mundo, grupos de interesse que não querem reconhecer determinados fatos. Temos o histórico, por exemplo, da indústria do tabaco, que sabia que os cigarros causavam câncer. Mas isso era ruim para seus negócios e a indústria do tabaco procurou negar isso, gerando uma confusão com supostos estudos mostrando não haver ligação entre o consumo de cigarros e casos de câncer. São esses tipos de forças que enfrentamos. Mas infelizmente provavelmente tem sido assim em boa parte da nossa história. Talvez seja parte da natureza humana enfiar a cabeça na areia e ignorar algo, ou os poderosos tentarem influenciar as pessoas a ignorarem um problema.

E o que podemos fazer com relação a isso, cientistas e mídia?

Primeiro devemos tentar educar o público e nossos políticos, nossos líderes com relação a esse tipo de coisa. E também devemos defender a exploração planetária em um contexto maior, incluindo a Terra. A Terra é um planeta e, portanto, está no âmbito das ciências planetárias. São muitos os exemplos disso. Pensamos e sabemos que o CO2 (dióxido de carbono) provoca um efeito estufa na Terra porque entendemos o que ele fez em Vênus e em Marte. Os primeiros cientistas que entenderam isso se voltaram a Terra e pensaram: “olha só, a mesma coisa acontece aqui. Com muito CO2 fica mais quente, com pouco fica mais frio”. Há muitas lições a serem aprendidas em outros planetas que podemos aplicar em nosso próprio planeta e vice-versa. Então a resposta é educação e ativismo, e também projetos que mobilizem as pessoas, encontros, reuniões, palestras, publicações, ações nas redes sociais. Creio que a chave é a educação em geral. Precisamos aumentar o nível de educação no mundo inteiro, todos ficando mais espertos, com um pensamento mais crítico. E acho que isso já vem acontecendo. Sou um otimista. Creio que nos últimos 200 anos as pessoas estão mais espertas, pelo menos em média. A amplitude disso pode estar crescendo, mas na média as pessoas estão ficando mais inteligentes. Quando paramos e pensamos o quanto dependemos da ciência e da tecnologia no mundo moderno, vemos a importância deste tipo de abordagem. Só na medicina, por exemplo, quando tomo um remédio ou vou fazer uma operação e preciso fazer um raio-X, ou um exame de ressonância magnética. Tudo isso são produtos da ciência. E esta é a hora em que uma lâmpada deve acender na cabeça das pessoas e elas pensarem: bem, devo apoiar que meu governo financie pesquisas médicas ou que use parte de meus impostos para estudar o clima da Terra. Às vezes precisamos meio que bater na cabeça das pessoas e dizer: veja, é isso que estamos fazendo, e estamos fazendo isso todos juntos.

Afinal, a ciência é um esforço coletivo, certo?

Sim, e precisamos de todos os cérebros que pudermos conseguir. Temos muitos grandes problemas no mundo. O excesso populacional é um grande problema, a fome é um grande problema, as guerras são um grande problema, as mudanças climáticas são um grande problema. São grandes problemas, mas são solucionáveis. A questão é que não será só um país ou uma região que vão resolver esses problemas, é um esforço coletivo.

E, voltando para Carl Sagan, este é o único planeta que temos. Não há plano B…

Não, não há planeta B. Estamos todos no mesmo barco. Falam muito de irmos para Marte e colonizar o planeta, construir colônias na Lua, tudo isso é ótimo, mas não podemos fazer isso porque desistimos da Terra. Acho que as coisas que vamos aprender ao mandar pessoas para Marte, a Lua ou asteroides, o fato delas terem que estar bem próximas em um ambiente hostil, vivendo num sistema autossustentável, com reciclagem, todo esse conhecimento necessário para isso dar certo vai tornar a vida melhor aqui na Terra. Estou convencido disso.

Até porque por melhor que seja a tecnologia que desenvolvamos, não vai dar para colocar 10 bilhões de pessoas em Marte…

Sim, colônias em Marte ou na Lua seriam uma espécie de “apólice de seguro” da Humanidade contra o impacto de um asteroide gigante que extermine nossa espécie, o que é sempre possível, embora improvável, mas não acho que ter um “plano B” deva ser a motivação. Precisamos ir explorar e colonizar porque é o que fazemos como espécie. Queremos escalar esta montanha, mergulhar neste oceano, romper estas fronteiras.

Um tipo de “plano B” como o que Elon Musk, fundador da SpaceX, defende?

Sim, ele é um cara muito motivado e vai colocar pessoas em Marte, estou convencido disso.

Antes mesmo da Nasa?

Sim, é possível.

Quanto a isso, o que acha da mudança promovida por Trump no foco das missões tripuladas da Nasa? Nos últimos 15, 20 anos, a Nasa vinha insistindo que seu objetivo principal era enviar pessoas para Marte, e agora Trump quer voltar para a Lua…

Aí há duas coisas importantes. Primeiro, não foram aportados recursos para isso, então até agora não passam de palavras. E, segundo, ainda há um consenso de que sim, voltaremos para a Lua, mas isso ainda será um trampolim, uma escala para irmos a Marte e além. Muitas pessoas acham há muitos anos que devemos praticar, reaprender o que fazer. Já faz quase 50 anos que fomos à Lua, a tecnologia mudou. A chave do meu carro tem mais memória e poder de computação do que os computadores das naves do programa Apollo, e mesmo assim eles conseguiram. Então não há razão para que não consigamos também. É verdade que não temos mais a motivação de então, a Guerra Fria e o conflito entre EUA e a União Soviética. Mas talvez mesmo isso volte de alguma forma. Os chineses estão muito interessados na Lua do ponto de vista econômico, os russos também não esqueceram, então talvez os humanos precisem deste tipo de competição, motivação para esse tipo de coisa.

A Lua será sempre uma escala, então?

Não, a Lua será mais que isso. Lancei recentemente um livro sobre turismo espacial e acho que a Lua será o destino mais popular do turismo espacial. No futuro, daqui a 50 anos, cem anos, 200 anos, não levaremos três dias para chegar lá. Será uma questão de horas, então as pessoas poderão ir para lá para passar o fim de semana. Será uma experiência próxima e interessante. Levou cem anos para sairmos do primeiro avião e as viagens aéreas se tornarem uma rotina que a classe média pode pagar para suas férias. E tudo começou com os governos investindo na indústria da aviação desde cedo, com os bilionários da época, como Howard Hughes, à frente de empresas como United, Northwest, abrindo caminho. Ninguém sabia se essa indústria ia literalmente decolar e os governos colocaram muito dinheiro nisso pagando para que entregassem o correio em grandes contratos. Estas empresas então competiram entre si, melhorando a segurança, diminuindo seus custos. E vemos exatamente a mesma coisa acontecendo hoje com a indústria espacial. Elon Musk é um cara rico, mas muito do que a SpaceX faz é financiado pela Nasa, com os programas de voos comerciais de carga e tripulados para a Estação Espacial Internacional (ISS). ATK, Boeing, outras empresas também estão recebendo esses financiamentos, com o governo ajudando a criar um mercado de foguetes de lançamento, diminuindo os preços para todo muito, melhorando os históricos de segurança e confiabilidade e diminuindo os custos de seguro. Tudo isso faz parte deste processo. Levou cem anos para a indústria da aviação, talvez precisemos de cem anos também, ou 200 anos para a indústria do turismo espacial decolar, quem sabe? É difícil prever como a tecnologia vai se desenvolver.

Talvez menos até, pois já tivemos os primeiros turistas espaciais e empresas como a Virgin Galactic planejam começar em breve seus voos suborbitais…

Sim, tivemos os primeiros turistas espaciais, mas ainda é algo para os extremamente ricos e muito perigoso, longe de ser rotineiro. Então para ser algo como subir num avião e ir passar uma semana em Paris ainda vai demorar. E também vai levar um tempo para que o público se conscientize de que esta é uma maneira segura e acessível de viajar. Mas acho que eventualmente vamos chegar lá. E uma das principais razões para isso é que existem poucas maneiras de se ganhar dinheiro no espaço. Hoje a maneira mais comum, e basicamente única, é com satélites de comunicações. É uma indústria enorme, de muitos bilhões de dólares. Mas todo resto do espaço não dá lucro, são os governos despejando dinheiro para ir e estudar Marte, Saturno. Não há lucro nisso. Então, como ganhar dinheiro no espaço? Acontece que o modelo de negócios do turismo na Terra pode funcionar tão bem no espaço se conseguirmos reduzir os custos de lançamento, melhorar a segurança e construir a infraestrutura. Os hotéis, os restaurantes, os bares, os cinemas, os parques temáticos. Toda essa infraestrutura vai fazer com que as pessoas digam: ei, vamos para a Lua no fim de semana. E não vamos só ficar flutuando na microgravidade. Tem este show que quero ver, este hotel que ouvi falar, esta piscina em gravidade zero, o que seja. A infraestrutura turística que temos na Terra terá que ser levada para o espaço e acho que isso vai acontecer porque vai render muito dinheiro.

E quanto à mineração espacial, em especial de asteroides, que algumas empresas também pretendem fazer?

A mineração é outra possível maneira de se ganhar dinheiro no espaço, mas creio que ainda mais especulativa. Não existe algo como mineração espacial hoje, já que a tecnologia de mineração que conhecemos é tão dependente da gravidade que para ir para um asteroide, ou mesmo a Lua, e extrair algum metal de lá a tecnologia que temos simplesmente não vai funcionar. Então o que temos hoje não é mineração espacial, mas prospecção espacial. E os astrônomos já são prospectadores. Ao apontarmos um telescópio para um asteroide podemos dizer, por exemplo, se ele tem água. E é isso que estas empresas estão fazendo agora. Mas também acho isso ótimo. Elas estão tentando seguir o mesmo modelo que a indústria da mineração usa na Terra, com os investimentos sendo feitos no longo prazo. Os investidores entendem que uma empresa pode passar 20, 30 anos procurando por ouro, prata, cobre, plantina, e talvez leve 50 anos para que este investimento tenha retorno. E alguns investidores na Terra hoje terão esse tipo de paciência

É um investimento de alto risco, mas também com potencial de altos retornos no longo prazo…

Isso. De qualquer forma, acho que a mineração espacial não será ir para um asteroide ou a Lua, pegar algo e trazer de volta para a Terra, mas para usar estes materiais lá fora. Creio que a água será a substância número 1 a ser “mineirada” no espaço, porque ela é mais preciosa que ouro. Você pode bebê-la, separar o hidrogênio e oxigênio para fazer combustível para os foguetes, você pode respirar o oxigênio, se proteger da radiação com a água, é das coisas mais preciosas para quem está lá no espaço.

Bem, afinal de contas, nem todo o ouro do mundo vai salvar sua vida se você estiver morrendo de sede…

Exato. E temos água na Lua, água em asteroides, água em Marte, muitos lugares onde se pode achar água. Até em Mercúrio, tão perto do Sol! Então, ela está lá e haverá uma grande indústria dedicada a extrair água para consumo local no espaço, o que vai exigir o desenvolvimento de uma infraestrutura científica para tanto. E sim, claro, depois disso temos os metais preciosos, os silicatos para material de construção, todas as coisas que serão necessárias para construir as estruturas das colônias, os habitats, a proteção contra a radiação, tudo isso pode ser extraído localmente de forma muito mais econômica do que se tivéssemos que levar tudo aqui da Terra.

Além da divulgação da ciência e do conhecimento, a Planetary Society agora investe em pesquisas e exploração espacial em si como o projeto Lightsail, uma “vela” que usa o vento solar (fluxo de partículas emitidas pelo Sol) para “navegar” pelo espaço. Como estão os preparativos para o próximo teste da tecnologia, a Lightsail 2, prevista para lançamento creio que a partir de junho, e sua relação com iniciativas como a Breakthrough Starshot, que pretende usar método semelhante para chegar no sistema Proxima Centauri num futuro próximo, no que poderá ser a primeira missão interestelar da Humanidade?

Ainda dependemos da confirmação do segundo lançamento do Falcon Heavy (o foguete de alta capacidade da SpaceX de Elon Musk, lançado pela primeira vez com sucesso no início deste ano ), contratado pela Força Aérea dos EUA e no qual a Lightsail 2 vai pegar “carona”, e ainda não foi anunciada a data exata. A Planetary Society sempre esteve muito interessada em velas solares. Sagan falava sobre e defendia esta ideia publicamente em programas de TV e outras oportunidades. Creio ser uma tecnologia muito interessante que precisa ser testada em grande escala. Até o momento, no entanto, muitas agências governamentais têm se mostrado relutantes em testar novas tecnologias como esta, então queremos mostrar algumas coisas. Primeiro, que uma pequena organização não governamental pode fazer pesquisas de exploração espacial, o que é algo novo. Assim, a primeira missão, da Lightsail 1, foi um teste de demonstração do conceito da tecnologia. Agora, no segundo teste, queremos mostrar que você pode controlar de fato o voo de uma vela solar. Os japoneses já lançaram uma vela solar e mostraram que ela de fato se movimenta com a pressão do Sol, mas eles não tentaram de fato “navegar” com ela. Nós vamos mudar a órbita de nossa vela com diversas manobras, realmente controlando esta pressão e efetivamente usando o vento solar para alcançar uma altitude maior. E, com o lançamento pelo Falcon Heavy, a órbita original da vela estará alta o bastante para que não soframos com os efeitos do arrasto atmosférico que afetaram a Lightsail 1. Poderemos assim mostrar que controlamos mesmo a vela solar, sua posição e orientação, e com isso podemos levá-la até uma órbita e ponto de nossa escolha, como se faz com uma vela de um barco. Acho que este será um grande feito no campo das velas estelares em geral, e mais especialmente para uma organização que depende da associação do público como a nossa. Não temos uma outra missão futura de uso prático da vela, mas acho que o conhecimento, a tecnologia, as informações sobre os sistemas serão úteis para outros projetos, embora o da Breakthrough Starshot seja um pouco diferente , prevendo o uso de lasers etc.

Sim, no caso deles a ideia é usar lasers poderosos baseados na Terra para “empurrar” a vela, e não o vento solar e suas partículas, mas, ainda assim, o princípio é parecido, não?

É, lasers que ainda nem foram inventados. Mas é uma grande ideia, tem um bilionário por trás dela (o russo Yuri Milner) disposto a financiar potenciais avanços na tecnologia que os governos não estão dispostos a financiar. No fim, as velas solares ou de luz são soluções interessantes para a exploração espacial dentro e fora do Sistema Solar. A Agência Espacial do Japão (Jaxa) tem planos de uma missão para a região de Júpiter usando uma vela solar e ainda tem a ideia de incluir um pequeno e leve módulo de pouso na sonda. Assim, você pode “velejar” cinco vezes a distância da Terra para o Sol, pousar em um asteroide e depois usar a vela para trazer amostras para a Terra. Vi a cronologia da missão e, por não ser um foguete químico, a amostra só chegaria aqui em 2055, em contraste com a já lançada sonda Osiris-Rex, da Nasa, que deverá chegar de volta com uma amostra do asteroide Bennu em meados da década de 2020, que usa propulsão química tradicional, mas é uma abordagem interessante. Temos que ser pacientes com qualquer missão que envolva ir para o Sistema Solar exterior.

Ainda falando de exploração do Sistema Solar, e a busca por vida fora da Terra? Novamente citando Carl Sagan, ele dizia não saber se ela existia ou não, mas que, se de fato não existisse, o Universo seria um enorme desperdício de espaço… Quais suas expectativas quanto a futuras missões para Marte, Europa, Titã, Encélado e outros locais promissores neste sentido em nossa vizinhança cósmica?

No fim, são poucos os lugares em que a vida pode estar aqui perto, e espero um forte foco nesses locais nas próximas décadas. Já temos muitas pesquisas em Marte, onde acho que, se ainda existir vida, e ela pode ainda existir, estará enterrada fundo sob o solo. E encontrar ela provavelmente exigirá a presença de pessoas para montar e operar os equipamentos necessários para isso. As perfuratrizes dos veículos-robôs que já mandamos para lá mal arranharam a superfície, e acredito que mesmo escavar alguns metros não será suficiente para encontrar esta eventual vida que esteja lá, porque certamente na superfície ela não está. Não temos nenhuma evidência de vida simples ou mais complexa no solo marciano. Mas as condições para isso existiram lá há bilhões de anos e ainda podem existir no subterrâneo, com água e moléculas orgânicas.

E quanto às outras possibilidades?

Acho que o mais provável é encontramos vida antes ao “mergulharmos” no oceano de Europa (uma das luas de Júpiter, onde há indícios da existência de um vasto oceano global de água em estado líquido sob sua superfície congelada) ou recolhermos amostras de oceano semelhante existente sob a superfície de Encélado (uma das luas de Saturno que também teria um oceano sob sua crosta gelada) nos jatos que ela lança para o espaço. Mas Europa é o lugar onde acho ter a maior possibilidade de existência de vida complexa fora da Terra no Sistema Solar . Talvez macroscópica e de certa forma inteligente, capaz de decidir para onde ir, diferenciar luz de escuridão, com instintos predatórios, vida de fato complexa, multicelular, e não organismos unicelulares simples. Acho que é uma possibilidade real se estivermos certos sobre Europa. É um grande “se”, mas se estivermos certos, aquele oceano está lá há bilhões de anos em contato com as rochas no núcleo da lua, com recursos, energia e moléculas orgânicas.

E que tipo de vida será essa? Pode ser muito diferente da nossa aqui na Terra?

Bem, só podemos procurar pelo que conhecemos. Fora disso, não estamos mais no campo da ciência. Muitas pessoas estudam há anos a emergência da vida, e parece ser pouco provável que seja algo muito diferente do que conhecemos. Os ingredientes da vida que conhecemos são os elementos mais comuns do Universo . A água está por todo lado, e o fato de moléculas orgânicas não se dissolverem em água é uma propriedade interessante que permite que realizem diversas reações. Então achar outros líquidos que possam mover nutrientes em um sistema e outros tipos de moléculas que podem formar barreiras dentre desses líquidos é algo muito difícil e raro. Existem, mas são elementos muito raros na tabela periódica. A navalha de Occam diz que esses são os elementos comuns, das quais as coisas são feitas, e me parece muito lógico então que a vida gire em torno disso. Claro que a natureza pode não estar nem aí para a lógica, mas não acredito nisso. Creio que estamos procurando pelas coisas certas, pelos parâmetros certos. É ficção científica qualquer coisa fora disso.

Então podemos esperar algo como o DNA, uma química comum à nossa?

Claro, você pode pegar o DNA e mudar a estrutura de um dos pares-base [as quatro “letras” que compõem o “livro” da vida como conhecemos, os também chamados nucleotídeos adenina (A), guanina (G), citosina (C) e timina (T)]. Então a vida extraterrestre pode ser um pouco diferente, mas o desenho básico será o mesmo, com uma química que conhecemos, que procure copiar a si mesma e evolua pela seleção natural. E olhando além do Sistema Solar, para a vastidão do Universo e os bilhões de planetas que agora sabemos serem comuns na órbita de outras estrelas , os números são gigantescos, e estatisticamente, na simples matemática, tem que haver outras formas de vida lá fora, simples ou complexas e mesmo inteligentes. Mas também talvez nunca encontremos esses “pequenos homenzinhos verdes” por causa desta mesma vastidão. A comunicação é um problema. As distâncias entre civilizações pode ser muito grande para que elas possam entrar em contato entre si. Então, resumindo, sou otimista quanto à possibilidade de existir outras formas de vida inteligente na galáxia e no resto do Universo, mas pessimista quanto à possibilidade de nos comunicarmos com elas. É uma pena, mas o limite da velocidade da luz é um problema.