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Por Ruan Melo

Ivan Gusmão / Arquivo Pessoal
'Senna Eterno': assista à reportagem do repórter Sérgio Pinheiro

'Senna Eterno': assista à reportagem do repórter Sérgio Pinheiro

Autódromo de Interlagos, São Paulo, 28 de março de 1993

- Senna nos braços do povo. Uma imagem inédita na Fórmula 1. Ele larga o seu carro na pista, sinaliza para a sua torcida, vive mais um momento de glória, faz a alegria de sua torcida. E vem no carro de resgate. É uma loucura generalizada em Interlagos. Ainda maior do que a vitória de Senna em 1991 quando, pela primeira vez, ele venceu o Grande Prêmio do Brasil. Ayrton Senna volta no Safety Car. Volta acenando para a sua torcida. Ele não se contém e vai para fora do carro. Senna é isso, é todo emoção, todo coração. Esta é a grande paixão da sua vida.

Foi com essas palavras que Galvão Bueno narrou a volta da vitória de Ayrton Senna no surpreendente Grande Prêmio do Brasil de 1993, realizado em Interlagos, São Paulo. Não era para menos. Largando em terceiro lugar, Senna tinha as Williams de Alain Prost e Damon Hill, que cravaram quase dois segundos de diferença nos treinos, como francas favoritas. Mas o brasileiro, tricampeão da Fórmula 1, superou não só a grande diferença entre os carros, como uma série de acidentes, punição por manobra arriscada e um temporal para vencer em casa. E, com justiça, teve uma festa à altura.

Depois da bandeirada, Senna saiu com a sua McLaren na tradicional volta da vitória enquanto uma multidão invadia a pista. Por conta disso, o piloto teve que reduzir a velocidade, e o carro apagou. Cercado pelos torcedores, Senna foi resgatado por um safety car, um Fiat Tempra cor vinho. Algo que jamais tinha acontecido na história da Fórmula 1. E, em uma cena eternizada no automobilismo mundial, o piloto desfilou pelas curvas de Interlagos no carro de segurança. Sentado na janela do veículo, ele percorreu todo o autódromo. Foi a segunda e última vitória do tricampeão no Brasil. Senna, infelizmente, se foi pouco mais de um ano depois dessa corrida. Mas o Tempra ainda vive. Agora, mais que nunca. E na Bahia.

O Globo Esporte Bahia inicia nesta quarta-feira uma série de matérias sobre a relação de Ayrton Senna com o estado. Acompanhe!

Senna desfilou em safety car após vitória no Brasil — Foto: Reprodução

Baiano de Itabuna, o empresário Ivan Gusmão é o responsável por isso. Ivan é fã de Ayrton Senna e, além de colecionar macacão e capacetes, batizou as suas duas empresas de “Senna”, bem como uma categoria de automobilismo local, e pintou sua casa com as cores do capacete do piloto. Com a corrida de 1993 como um marco na sua vida, em 2015, ele decidiu procurar o safety car que resgatou Senna. Um trabalho que contou com investimento não somente financeiro, mas de tempo, já que levou horas de pesquisa e dias de viagens pelo Brasil, mas que foi recompensado. Depois de mais de três anos de trabalho, Ivan se deparou com o carro na cidade de São Roque, interior de São Paulo. Batizado de Fumaça, o veículo estava encostado em uma árvore e irreconhecível.

- Como todo fã de Senna, vi as imagens e me perguntei que fim levou aquele carro. A curiosidade foi aumentando, e eu sei que ninguém tomou a medida de buscar esse carro, saber notícia. Há três anos comecei essa busca. Procurei a Fiat para me dar um norte onde começar. Só que o pessoal naquela época não me deu muita importância. Hoje sei que o carro saiu do Grande Prêmio e foi exposto em algumas concessionarias na grande São Paulo. Busquei também nessas concessórias essas informações. O interessante é que esse carro foi comprado por um descendente de italiano como seminovo, ficou cinco anos com ele até 1998. Ele não acompanhava a Fórmula 1 e não deu importância, mesmo sabendo que tinha sido utilizado como safety car e vendeu esse carro. Quando aconteceu o marco dos dez anos do falecimento de Senna que os amigos botaram na cabeça dele para ir atrás desse carro. E ele se mobilizou. Mas não encontrou mais. Acontece que esse carro se perdeu. O segundo dono não sabia, terceiro, quarto... – explica Ivan.

Veja como está o veículo que socorreu Ayrton Senna no GP Brasil de 1993

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Assim que se deparava com um veículo com os mesmos dados, Ivan, que não revelava ao proprietário o motivo real da intenção da compra, viajava para confirmar a veracidade das informações. Fez cinco viagens até que, finalmente, encontrou o que tanto procurava.

- Viajei cinco vezes para alarme falso de Tempras que não eram esse. Tinha que contar história que [queria o carro porque] era homenagem ao meu pai que tinha o Tempra. Eu inventava uma desculpa que não gostava do carro. [Encontrei] O carro estava encostado embaixo de uma árvore, os vidros quebrados, o cidadão com dificuldade financeira. Fiz o pagamento pelo valor que ele queria, nem chorei. O carro não andava, os pneus estavam estourados. Levei para São Paulo, tive que dar uma manutenção para ele passar na vistoria veicular e transferi para o meu nome. E depois disso tudo coloquei num pátio de cegonhas para transferir para Itabuna – recorda Ivan.

Irreconhecível, carro foi encontrado em cidade do interior do São Paulo — Foto: Ivan Gusmão / Arquivo Pessoal

E como ter certeza que este carro era, de fato, o safety car usado por Ayrton Senna na volta da vitória no GP de 1993? Primeiro, Ivan teve que reunir todas as informações sobre o veículo. Procurou então saber a placa e o número do chassi com a fabricante.

- O Tempra tem como placa FBM - 1001, que significa “F” de Fiat, “B” de Brasil, “M” de McLaren, “100” porque aquele Grande Prêmio a montadora completou a 100ª vitória e “1” porque Senna era o número um entre todos os pilotos. Eu pesquisava na internet as características do carro. Recebi várias fotos. Os que se enquadravam nessas características é que eu ia viajar para encontrar. Ele poderia não existir ou não estar à venda.

Nesse ponto, foi importante a ajuda de um outro personagem. Piloto do safety car no GP 1993, Roberto Aranha confirmou as informações do carro com Ivan.

- Ele [Ivan] me achou, vi as imagens do carro. Ele me mostrou que tinha achado, eu falei que dirigi esse carro e ficamos amigos virtuais. Parabenizei ele pelo resgate. Esse carro é um pré-série, vi o número da placa. Não tenho dúvida que esse seja o carro – garante Aranha.

No entanto, em contato com o GloboEsporte.com, a montadora ainda não confirmou que o carro é o mesmo utilizado no grande prêmio.

Ayrton Senna teve McLaren cercada por torcededores e foi resgatado por safety car — Foto: Reprodução

O piloto ainda tem fresca na memória a corrida de 1993. Ele lembra que precisou entrar em ação em duas ocasições distintas. Primeiro, por conta de uma série de acidentes que aconteceram no GP. Depois, para resgatar Senna. Quando o encontrou, ainda tentou conter a euforia do brasileiro, que sentou na janela do carro, mas foi em vão.

- Nessa ocasião, foi a primeira vez que foi utilizado um safety car. Antes não tinha safety car. Os carros largavam, se tivesse acidente, bandeira vermelha, parava a corrida. Na corrida, vários carros bateram. Choveu no meio da corrida, tivemos sete acidentes. O safey car foi acionado. Ocorreu tudo bem, e quando Ayrton ganhou teve a invasão. O carro dele morreu e fomos acionados de novo para ir resgatá-lo porque ele tinha que estar no pódio em determinado período. Foi uma coisa bastante perigosa porque tinha bastante gente na pista e ele estava na janela. E eu batia na perna dele, mandava entrar. Ele dizia que tudo bem. Mesmo assim chegamos a tempo. Foi uma experiência inédita. Jamais um safety car foi resgatar um piloto, jamais um piloto ficou em cima da porta - recorda.

Ivan Gusmão pintou a casa com as cores do capacete de Ayrton Senna — Foto: Arquivo Pessoal

Investimento e recompensa

Ivan adquiriu o Tempra por R$ 2,5 mil, mas ainda gastou mais entre viagens e transporte para Itabuna, aproximadamente, R$ 13 mil. Somado a isso teve que pagar outros R$ 20 mil para a restauração do veículo, que está sendo realizada na cidade baiana. O Tempra vai receber os adesivos, giroflex e sinalizadores da época. Depois do processo, que deve durar quarenta dias, o carro vai ser colocado em exposição.

Ivan garante que a restauração não tem fins lucrativos. O empresário não pretende vender o veículo, apesar de conhecer casos de outros carros nessa situação que acabaram sendo restaurados e vendidos por altos valores.

Carro é restaurado em Itabuna; processo deve durar quarenta dias — Foto: Ivan Gusmão / Arquivo Pessoal

- Quando divulguei [essas informação que encontrou o Tempra] me passaram que, na Argentina, foi vendido um safety car Renault Cleo de 1996 por R$ 156 mil. [O Tempra] não vai valer menos que 200 mil. Mas não o tenho para comércio. Não está à venda por mais valorizado que ele esteja – garante.

O ganho de Ivan é mais pessoal. Fã de Senna, o empresário se vê realizado com a conquista. E agora quer partilhar com as outras pessoas.

- Eu tenho duas empresas e dou nome do Senna. Não me caracterizo como oportunista, como devo escutar em um lado ou outro. Não será doação. Quero usufruir dessa história do Senna de forma indireta pelo prazer de resgatar. Ele só vai ser exporto pelo Brasil. Quero dividir essa alegria com todos os Sennistas que tinham essa curiosidade.

Algo que Roberto Aranha reconhece e valoriza. Para ele, a recuperação do Tempra é um resgate importante da história para as próximas gerações.

- É uma lembrança muito boa, uma coisa bacana. O último Grande Prêmio do Ayrton no Brasil, o último que ganhou. É uma parte da história que é resgatada. A garotada hoje em dia não conhece o Ayrton, então é uma parte da história que é mantida. História é feita disso, de entusiastas.

Tempra vai receber os adesivos, giroflex e sinalizadores da época — Foto: Ivan Gusmão / Arquivo Pessoal

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