Disputa entre traficantes aterroriza moradores de comunicades de Angra dos Reis Foto: Marcelo Régua / Agência O Globo

Em Angra, disputa de facções aterroriza população e aumenta índices de violência

Moradores abandonam casas, autos de resistência e roubos de carros sobem e turismo declina

Disputa entre traficantes aterroriza moradores de comunicades de Angra dos Reis - Marcelo Régua / Agência O Globo

por Giselle Ouchana

ANGRA DOS REIS - Ela tem 365 ilhas e mais de duas mil praias. É cercada por destinos paradisíacos de tirar o fôlego. O balneário tem nome: Angra dos Reis. Conhecida por abrigar mansões e barcos luxuosos, a cidade ganhou destaques violentos nos últimos meses. A corrida pelo domínio dos pontos de vendas de drogas em pelo menos cinco regiões conflagradas da cidade tem espantado turistas e até os próprios moradores. De um lado, bandidos fortemente armados e dispostos a aterrorizar. De outro, uma população acuada, turismo em baixa e comerciantes impactados. A taxa de ocupação na rede hoteleira do município para o feriadão do Dia do Trabalho foi de apenas 56,9%.

A guerra, afirma a polícia, é entre as duas principais facções do estado que, com o crescimento desenfreado das comunidades visam a expansão do mercado ilícito. Especula-se, ainda, que por ser rota para São Paulo, traficantes estejam armando uma espécie de cinturão para evitar qualquer aproximação de bandidos do estado vizinho.

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Mortes em confronto aumentam

Policiais do Batalhão de Choque em operação na comunidade Areal, em Angra dos Reis. 08/02/2018 - Marcelo Régua / Agência O Globo

Desde janeiro, o som de tiros e granadas atropela o sossego da região. Moradores foram expulsos das próprias casas, outros decidiram abandoná-las. A polícia chegou com as tropas de elite do Comando de Operações Especiais (Coe), vasculharam casas, trocaram tiros, apreenderam armas e drogas, prenderam suspeitos. Dez morreram em confrontos só no primeiro trimestre deste ano. Números do Instituto de Segurança Pública (ISP) apontam para o aumento do terror: em 2016, nenhum homicídio decorrente de intervenção policial (autos de resistência) foi registrado no mesmo período. No ano passado, apenas dois casos. Se comparado com o ano de 2008, que teve seis casos, o aumento foi 66,6%.

No último dia 17, uma operação da PM terminou com quatro suspeitos mortos na região da Cachoeira , no Parque Mambucaba. Com eles, os policiais encontraram três pistolas calibre 9mm e drogas. Na semana passada, duas pessoas morreram e nove ficaram feridas quando bandidos de facção rival tentaram invadir a comunidade do Areal e atiraram contra participantes de um jogo de futebol. No mesmo dia, criminosos assaltaram uma relojoaria e fugiram pelas ruas do Centro de Angra. Houve troca de tiros com policiais que, conseguiram recuperar parte do material. Um dos criminosos foi atingido, mas conseguiu fugir.

O envolvimento de criminosos da Região Metropolitana já foi identificado na prática. Em fevereiro, Maicon Mariano Ayres, de 21 anos, foi preso durante uma operação do Batalhão de Choque (BPChoque) na comunidade do Areal. Ele disse aos policiais que era do Complexo do Alemão e estava na região há pouco mais de um mês. Os PMs o encontraram dentro de uma casa com dois carregadores de fuzil e munições intactas, além de um caderno com anotações do tráfico.

Antes desta prisão, a inteligência da 166ªDP (Angra dos Reis) já havia identificado a participação de traficantes de outras comunidades da capital. Circulam por lá homens que chegaram de Antares, em Santa Cruz, Nova Holanda, no Complexo da Maré, Complexo do Lins e do Chapadão. Os líderes das favelas, contudo, continuam sendo os bandidos da região, mas laços criados dentro dos presídios ajudam a aumentar o poder de fogo desses criminosos.

— Essa interligação começou a partir da centralização dos presos. Os laços são estabelecidos dentro dos presídios, ou seja, há uma promiscuidade entre os criminosos locais e os da Região Metropolitana — afirma o titular da delegacia de Angra, o delegado Bruno Gillaberte, que garante não haver milicianos na cidade. — Ano passado, um grupo paramilitar oriundo de Santa Cruz, na Zona Oeste, tentou se estabelecer por aqui mas não conseguiram.

Moradores abandonam casas

Traficantes deixam 'recado' num trailer em frente à comunidade Sapinhatuba, na entrada de Angra. 08/02/2018 - Marcelo Régua / Agência O Globo

As comunidades de Camorim Grande, Sapinhatuba, Parque Belém, Areal e Frade são as mais problemáticas, de acordo com o levantamento dos investigadores. Os frequentes confrontos com armas de grosso calibre e a grande movimentação de bandidos é o que deixa moradores atordoados. Só nos três primeiros meses deste ano, 42 armas foram apreendidas, metade em janeiro. Entre os dias 30 de janeiro e 8 de fevereiro, por exemplo, foram apreendidos sete fuzis, cinco pistolas e duas réplicas de arma. Os fuzis, ressalta o delegado, foram cedidos por comunidades aliadas. Na internet, bandidos publicaram vídeos de ostentação. Nos morros, afirmam moradores, as quadrilhas fazem questão de exibir as armas para intimidar a população.

No km 482 da BR-101, na altura da Sapinhatuba, comunidade localizada na entrada da cidade, um trailer totalmente pichado com as iniciais de uma facção criminosa deixa claro quem manda ali. A região é dividida em três partes e a maior facção do Rio quer dominar todas elas. É na Sapinhatuba 1 que, segundo a associação de moradores, 90% dos residentes deixaram o local. Na manhã de quinta-feira pré-carnaval, quatro caminhões de mudança deixavam a região. Um morador, atingido de raspão no braço por uma bala perdida na madrugada anterior dentro de casa, abandonou os pertences e buscou abrigo na casa do irmão no outro lado da cidade.

— Nós fomos surpreendidos por tiros e granadas a qualquer hora do dia, eles (bandidos) arrombam portas, fazem ameaças. Ninguém aguenta mais, quase todos foram embora de lá. Virou uma comunidade fantasma — revela a vítima, que preferiu não se identificar.

Na delegacia, uma família relatou ter sido expulsa por traficantes na mesma Sapinhatuba. O delegado recomendou que buscassem um local seguro até que a situação normalize. Um vendedor de 22 anos, que mora às margens da comunidade, não aguentou o clima e mudou-se temporariamente para a casa do sogro com a esposa.

— Eu não moro dentro da comunidade, mas quando tudo acontece a gente sente que é muito perto. A gente anda com medo e eu não vou pagar para ver, por isso eu e minha esposa decidimos ir para a casa do meu sogro — afirmou João, que relatou também toque de recolher ordenado pelos marginais. — Já recebemos vários recados por mensagens de bandidos avisando que após determinado horário ‘a coisa ia ficar feia’.

Rotina impactada

É o tipo de ordem que acontece também no comércio, outro setor impactado negativamente. Estabelecimentos da localidade de Jacuíba, próximo ao Parque Belém, tem fechado as portas horas antes do normal. A ordem parte de bandidos, segundo os comerciantes. O dono de uma das lojas, que preferiu manter o anonimato, acredita que a população está refém dos traficantes. Na mesma comunidade, imóveis que valem R$ 40 mil são oferecidos à venda por R$ 14 mil. O aluguel de uma casa com dois quartos e garagem sai a R$ 300.

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— As pessoas não saem de casa, alunos não vão às escolas, os professores não conseguem sair para trabalhar. Nós, comerciantes, não conseguimos pagar fornecedores porque não estamos vendendo. Na minha loja, diariamente, eu vendo entre R$1.400 e R$1.600, mas tem dias que eu não ultrapasso os R$ 100. Como vou manter a minha família desse jeito? — afirma o empresário, indignado com o panorama atual da cidade. — A situação é muito delicada — conclui.

A rotina tem sido impactada de diversas maneiras. Escolas suspendem as aulas, ônibus alteram os trajetos para não circularem em ruas de regiões conflagradas. Trabalhadores passam sufoco na volta para casa, enfrentam tiroteios pelo caminho e são obrigados a aumentar a caminhada quando o motorista do ônibus decide mudar o itinerário.

— Na semana passada, quando saí daqui, eu e os outros passageiros tivemos que nos jogar no chão do ônibus porque um tiroteio, por volta das 23h, aconteceu quando a gente passava. Eu nunca passei por isso em 18 anos que vivo aqui — disse a funcionária de um supermercado, que funciona dentro do único shopping da cidade, de onde também é possível ouvir o som dos disparos.

Roubos de carros disparam

O cenário violento em Angra não é recente. Em dezembro, uma quadrilha explodiu caixas eletrônicos de uma agência bancária na Vila Residencial de Mambucaba e fugiram pelo mar. Episódio semelhante aconteceu em janeiro, quando dez homens armados de fuzis explodiram dois caixas eletrônicos na Vila Residecial de Praia Brava, onde moram funcionários que trabalham nas usinas nucleares. Por causa dessas ocorrências, a Eletronuclaear e as instituições financeiras decidiram desligar os caixas eletrônicos e suspender temporariamente todas as atividades bancárias que envolvessem movimentação de dinheiro em espécie na região. No ano passado, traficantes do bairro do Frade, distante cinco quilômetros da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAA), conjunto formado por Angra 1, Angra 2 e Angra 3 (em construção), impediram o acionamento e manutenção de sirenes instaladas no morro e usadas em treinamentos de emergência das usinas. A região é considerada Área de Segurança Nacional.

Roubos de carros também estão mais frequentes. O primeiro trimestre de 2018 fechou com 75 ocorrências do tipo. Há dez anos, apenas três casos foram contabilizados no mesmo período. Os roubos de veículos, contudo, vem crescendo nos últimos anos: 26 nos três primeiros meses de 2016 e 42 no mesmo período do ano passado.

O prefeito Fernando Jordão (PMDB) esteve em Brasília e solicitou reforço da segurança ao presidente Michel Temer e ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sergio Etchegoyn. O general afirmou que o GSI realiza um planejamento para Angra dos Reis. O prefeito sugere a presença da Força Nacional e do Exército. E disse ainda que vai colaborar comprando 20 carros para a Polícia Militar, além de bancar o aumento do efetivo dos policiais que trabalham por meio do Programa Estadual de Integração na Segurança (Proeis) e disponibilizar um prédio da administração pública para o estado colocar mais uma companhia da PM.

Turismo em baixa

No verão, movimento foi baixo, segundo empresários. No carnaval, ocupação hoteleira foi menor que em 2017 - Marcelo Régua / Agência O Globo

Com o estouro da violência nas comunidades, o corredor turístico angrense foi altamente impactado. O verão 2018 não foi sinônimo de alta temporada, afirmam funcionários de agências de turismo. Na Doce Angra Turismo, o movimento caiu 80% em relação ao verão passado. Na mesma agência, cinco reservas foram canceladas em uma semana.

— Muitos turistas brasileiros ligam para saber sobre a violência. Os cancelamentos estão acontecendo e nós estamos sentindo muito esse impacto — afirmou a atendente Tamara Passos.

A Ocean Angra Turismo, que costuma lotar três embarcações para passeios nas ilhas, só tem trabalhado com um barco porque “não há passageiros suficientes para encher os demais”, segundo um guia. Na Maravilhosa Tour, os funcionários estão desanimados. Desde a segunda quinzena de janeiro, 60% das reservas foram canceladas e a empresa não consegue pagar a despesa diária.

— As agências operavam com 95% a 100% da capacidade. Atualmente, temos operado com apendas 40%. Há dias que nosso caixa fecha negativa. Isso aconteceu também no verão. Passamos o ano todo esperando pelos três meses de alta temporada, mas tivemos prejuízo neste último. Para nós, a alta temporada não aconteceu em 2018 — reclama Marcos Miranda, responsável pela agência.

Nos hotéis e pousadas, a procura para o carnaval foi cerca de 20% mais baixa, segundo os empresários. A Fundação de Turismo de Angra dos Reis (TurisAngra) registrou declínio na taxa de ocupação em comparação ao ano passado. Em 2017, 97,8% dos leitos da cidade foram ocupados. No carnaval deste ano, porém, a ocupação foi de 79,2%.

O presidente da TurisAngra, João Willi, tenta, com o tímido aumento das ocupações na Semana Santa e nos feriados de Tiradentes e do Trabalho, tranquilizar os visitantes.

— A taxa de ocupação no feriado da Semana Santa saltou de 52,8% em 2017 para 72,5% este ano. No feriado de Tiradentes não foi diferente, elevou de 48,8% para 65,1%. No dia do Trabalho, o aumento percentual foi de 15%. O turismo nacional cresceu 10% em relação ao ano passado e Angra seguiu esta linha. Além disso, elaboramos um calendário anual de eventos, inclusive para a baixa temporada a fim de atrair o turista.