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Política

Embaixadora do Criança Feliz, Marcela Temer deve sair de cena nos próximos meses

Nova estratégia de divulgação do programa não inclui primeira-dama
Marcela Temer participa do lançamento do programa Criança Feliz, em 2016 Foto: André Coelho/Agência O Globo/05-10-2016
Marcela Temer participa do lançamento do programa Criança Feliz, em 2016 Foto: André Coelho/Agência O Globo/05-10-2016

BRASÍLIA — No início de 2017, os marqueteiros do governo tinham um ambicioso plano para alavancar a popularidade do presidente Michel Temer , à época na casa dos 13%. A ideia consistia em escalar a primeira-dama Marcela Temer para participar de uma série de atos oficiais relacionados ao programa Criança Feliz , do Ministério do Desenvolvimento Social, e criar, assim, uma agenda positiva a Temer. Mais de um ano após o planejado, O GLOBO ouviu de fontes diretas do governo que a imagem de Marcela deverá, discretamente, deixar de ser associada ao Criança Feliz, iniciativa da qual é embaixadora.

Uma nova estratégia de divulgação do programa, única marca própria que a gestão Temer poderá deixar na área social, vem sendo planejada para os últimos sete meses de governo. Agendas com autoridades, além de mecanismos de comunicação para tornar o Criança Feliz mais conhecido pela população, serão formuladas sem considerar o envolvimento de Marcela Temer. Uma análise inicial aponta que, ao contrário do imaginado, a figura da primeira-dama não foi capaz de provocar uma mobilização nacional em torno do programa, que viabiliza a realização de visitas domiciliares a grávidas e crianças carentes.

Sem conseguir resgatar a popularidade de Michel Temer, desde o ano passado no centro de investigações do Supremo Tribunal Federal - que avançam inclusive sobre os bens da família -, Marcela Temer deve continuar participando de pequenas agendas arranjadas pelo Palácio do Planalto, como a visitação de turmas escolares ao Palácio da Alvorada e chás e cafés com autoridades em Brasília. Nada impede que a primeira-dama fale sobre o Criança Feliz nos convescotes oficiais. Mas o grande giro nacional de Marcela pelos estados, imaginado pelos técnicos do governo para promover a primeira infância, não deve mesmo sair do papel.

Havia planos de que Marcela visitasse experiências importantes no Brasil - como o Família que Acolhe, da prefeitura de Boa Vista, e o Mãe Coruja Pernambucana, do governo de Pernambuco - e promovesse com sua presença eventos de capacitação do programa ligado à primeira infância. Ela chegou a se reunir com grandes especialistas do mundo no assunto, como a chinesa Mary Young e a psicóloga americana Jane Lucas, para ser a garota-propaganda do Criança Feliz. Com um caderno em punho, fazia perguntas e anotações durante as reuniões em que buscava se informar. Ouvia mais do que falava, segundo participantes dos encontros.

Logo após o lançamento do programa, Marcela esteve na Rede Sarah conhecendo protocolos de tratamento a crianças com microcefalia por conta do vírus zika. Participou de abertura de evento para gestores do Criança Feliz com o então ministro Osmar Terra. E chegou a fazer um encontro com primeiras-damas dos estados e representantes de organizações da sociedade civil no Palácio da Alvorada para divulgar a iniciativa do governo. Falou também do Criança Feliz em evento com a rainha Silvia, da Suécia.

Com o tempo, porém, Marcela passou a ter sua área de circulação ainda mais restrita aos palácios de Brasília. Agendas específicas sobre o Criança Feliz praticamente sumiram. A exceção foi no aniversário de um ano do programa, em outubro passado, quando ela visitou duas famílias atendidas em Águas Lindas, cidade de Goiás perto de Brasília. Em março deste ano, ela participou da abertura de seminário internacional sobre primeira infância ao lado do presidente Michel Temer, que cumpria compromisso oficial com a presença do presidente da Colômbia, Juan Emanuel Santos.

GARANTIA DE RECURSOS

A assessoria de Marcela Temer informou, em nota, que a "agenda em torno do programa foi intensificada na fase de implantação e de adesão dos municípios, tendo em vista a necessidade de divulgar e tornar conhecida essa política pública". Segundo o comunicado, "a primeira-dama permanecerá apoiando as ações do Criança Feliz, porque acredita que esta é uma política pública capaz de gerar benefícios não só para as crianças e famílias atendidas, mas para toda a sociedade brasileira". Quanto à nova estratégia de divulgação do programa dissociada de sua imagem, a primeira-dama não comenta, ressaltando que o Ministério do Desenvolvimento Social é o gestor da política.

Ainda de acordo com a assessoria, Marcela visitou instituições de saúde que "trabalham para encontrar o melhor tratamento a crianças com cardiopatia congênita (Incor), fissura labiopalatina (Hospital Regional da Asa Norte) e microcefalia (Rede Sarah)". E "também conheceu instituições e programas sociais que promovem ações pelo bem-estar de crianças e jovens, como o Amparando Filhos (TJGO); a Casa Santo André, no Gama; o Centro Social Ingá, em São Sebastião; e a Associação Viver, na Estrutural".

Ter Marcela Temer associada ao Criança Feliz era visto como uma garantia de recursos, em tempos de ajuste fiscal, para desenvolver a iniciativa. De fato, o orçamento do programa subiu de R$ 328,9 milhões para R$ 534,7 milhões entre 2017 e 2018. No entanto, a efetiva aplicação do dinheiro segue ritmo lento. De janeiro a abril deste ano, apenas 9,6% do total previsto foi executado, incluindo valores referentes a 2017 só pagos agora. No mesmo período do ano passado, um montante maior havia sido investido: 12,3%.

Lançado como vitrine da gestão Temer, o Criança Feliz não atingiu a meta inicialmente divulgada, de ter 750 mil crianças atendidas até o fim de 2017. Hoje, são cerca de 240 mil alcançados pelo programa - ou 32% do planejado para ser obtido ainda no ano passado.

A assessoria do Ministério do Desenvolvimento Social encaminhou nota ao GLOBO na qual afirma que a liberação financeira para o programa Criança Feliz “está mais lenta porque no começo atendia outras variáveis como capacitação e treinamento e agora o pagamento é realizado mediante comprovação do número de crianças atendidas”. O órgão ainda afirma que o plano é atingir a meta do programa até o final do ano e que a “primeira-dama Marcela Temer continua apoiando e se envolvendo com as ações do Criança Feliz”.

Ao contrário do que planejavam os marqueteiros há pouco mais de um ano, Marcela Temer não conseguiu levantar a popularidade de Temer. Pior: a proporção de brasileiros que aprovam o governo caiu de 13% para 5% no período, segundo série histórica da pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com o Ibope, que vai até março passado. Com a popularidade na lona, Temer desistiu nesta semana de disputar a reeleição por falta de apoio até mesmo dentro do próprio partido, num ato revelador do clima de fim de festa que já impregnou o governo.