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Prestes a lançar livro sobre a família, Antonia Leite Barbosa divide suas memórias

Jornalista abre pela primeira vez o closet de sua avó Sylvia
Antonia com vestido Bergdorf Goodman garimpado da sua avó Foto: Pedro Henrique
Antonia com vestido Bergdorf Goodman garimpado da sua avó Foto: Pedro Henrique

Não conheci os meus avôs, minha avó materna faleceu quando eu tinha apenas sete anos; então, a vovó Sylvia concentrou todos os ônus e bônus de ser a matriarca da família e teve um papel muito importante na minha formação. Paulistana de Franca, foi viúva precocemente aos 48 anos de um homem que se apaixonou por ela quando ela ainda era jovem demais para casar. Marcello Leite Barbosa teve a paciência e a determinação de esperar que Sylvia concluísse os estudos para conduzi-la ao altar. Essa história integra o livro sobre o cearense da Serra de Baturité que se mudou para o Rio em busca de melhores oportunidades, encantou-se com o mercado de capitais, chegou ao posto de presidente da Bolsa de Valores por três mandatos e fundou a corretora mais importante do país no início da década de 70. “Os Leite Barbosa, a saga da corretora que revolucionou o mercado” (Edições de Janeiro), escrito pelo jornalista George Vidor, chega às livrarias no fim do mês.

“A perda me trouxe um senso de urgência, o tempo não estava a nosso favor, e a memória viva daquela época estava se perdendo”

Antonia Leite Barbosa
jornalista

Contar a trajetória dos Leite Barbosa, uma história de muito sucesso seguida de muito sofrimento e luta para salvar a honra da família e os negócios, foi uma iniciativa minha após a morte em 2015 do meu pai, Mauricio.

Ele era o primogênito, trabalhava junto ao meu avô Marcello e manifestou por diversas vezes a vontade de registrar esse período tão importante para a formação do mercado de capitais.

A perda me trouxe um senso de urgência, o tempo não estava a nosso favor, e a memória viva daquela época estava se perdendo. Convidei um jornalista de grande prestígio e conhecimento econômico para pilotar o projeto e fui cuidando da retaguarda, agendando as entrevistas e participando de ouvinte. Estou muito feliz em ter concluído esse projeto no ano em que comemoramos o centenário de nascimento do vovô Marcello.

Vestido Alice Modas Foto: pedro henrique
Vestido Alice Modas Foto: pedro henrique

Com a morte dele, a vovó Sylvia foi levada a assumir os negócios da família. Tornou-se presidente da corretora e trabalhou duros anos para manter a família unida, resolver pendências judiciais, zerar dívidas com credores e recolocar a Marcello entre as cinco maiores corretoras cariocas. Pela garra e pela classe com que assumiu essa função, é lembrada até hoje por seus pares.

Na minha infância, a convivência mais intensa com vovó se dava nas férias, quando passávamos o verão juntas na casa do bairro da Independência, em Petrópolis, na companhia dos primos e tios. Muitas vezes ela me deixava dormir em seu quarto, que já tinha sido repaginado para duas camas de solteiro. Recolheu-se em seu luto, cercou-se de amigas e, apesar da beleza e da jovialidade, casar novamente não estava em seus planos. Quando meus pais viajavam sem os filhos, vovó se mudava para a nossa casa para não atrapalhar a rotina de três crianças. Tranquila, serena, equilibrada até... perder a paciência! Exercia uma autoridade exemplar, mas duas coisas a tiravam do sério: brigas entre irmãos e barulho de bola dentro de casa.

Com os meus vinte e poucos anos, após uma discussão banal em casa, pedi para passar uns dias com ela. Fui ficando, ficando e adorando a convivência. Só saí de lá dois anos depois, para morar sozinha. A casa tem até hoje apenas duas regras: as palavras cruzadas do jornal O GLOBO são sagradas, e ler o Segundo Caderno, mas não desaparecer com ele.

Antonia Leite Barbosa e sua avó, Sylvia Foto: Acervo pessoal
Antonia Leite Barbosa e sua avó, Sylvia Foto: Acervo pessoal

Foi nessa época que comecei a explorar seus armários e ouvir histórias sobre as viagens pelo mundo inteiro, em especial a Paris e Nova York, com visitas às grandes maisons que atendiam com hora marcada. Demorei para valorizar o guarda-roupa que ela tinha preservado. Foi preciso que uma amiga, que entendia bastante de moda, fuçasse comigo os armários e “endossasse” que o vintage é cool. Me lembro de ir a uma festa em Petrópolis há muitos anos com um casaco laranja vivo do Courrèges.

Na falta de um vestido longo para uma festa black-tie, lancei mão de um vestido Pucci preto e branco de duas peças. Muitas peças já se mudaram de vez para o meu closet. Outras ainda gosto de garimpar quando vou visitá-la. Ela sempre emprestou sem pestanejar brincos, colares, bolsas e até as joias mais importantes. Aprendi com ela o que era uma minaudière, uma bolsa bem pequena para eventos formais, quase uma joia de tão delicada. Vovó é vaidosa. Batom vermelho é uma marca registrada. Unhas estão sempre impecáveis com manicure que vai em casa semanalmente. Cabelos muito bem penteados e uma colônia agradável no lugar de um perfume forte. Seu banheiro de mármore branco é uma delícia para andar descalço, pois tem sempre um pouco de talco espalhado pelo chão.

Muito religiosa, nesse período de intensa convivência ela me incentivou a me crismar na Paróquia da Ressureição. Foi natural convidá-la para ser minha madrinha de crisma. No meu casamento civil, pela ausência de um padre, fiz outro convite. Pedi que ela falasse um pouco sobre fé e conduzisse uma oração abençoando a minha união.

Casaco Dejac Foto: pedro henrique
Casaco Dejac Foto: pedro henrique

Vovó sempre me apoiou no jornalismo, guardava todas as minhas colunas, os guias que publiquei da Agenda Carioca, Agendinha Carioca e Casa Carioca. Infelizmente, não faz ideia do que se passa no digital, então volta e meia preciso atualizá-la das minhas andanças. Diverte-se com os vídeos do Achados da Antonia que compartilho no Instagram. Vovó sempre gostou de ler. Assiste a mais filmes do que novelas, frequentou por anos aulas de psicologia, de história da arte e das civilizações. Assinante da OSB, frequenta concertos e adora ouvir música clássica em casa. Excelente motorista, dirigia de carros compactos a caminhonetes e até uma Kombi que a família teve. Me levou e me buscou em dezenas de festas. Prestes a completar 90 anos, ainda mantém sua carteira de motorista em ordem.

O cardápio dos eventuais almoços de sábado intercalavam cozido e feijoada. Os Natais em sua casa eram felizes e fartos. As pasteladas ainda reúnem a família com alguma frequência, e ela sempre tem um bolinho fresco na sala de almoço, um chocolatinho, uma guloseima para deleite próprio e para oferecer às visitas. Na casa da vovó tem um piano de cauda com muitos porta-retratos — dos quatros filhos, cinco netos e nove bisnetos. Minha avó sempre foi discreta, raramente aparecia em colunas sociais e nunca figurou no ranking das mais elegantes - pela personalidade reservada nunca almejou esse posto. A verdadeira elegância de Sylvia Maciel de Castro Leite Barbosa sempre esteve nas atitudes.

Edição de moda: Patricia Tremblais. Agradecimentos: Draft Manequins ( @draftmanequins_ )