Cultura Artes visuais Censura nas artes

Gaudêncio Fidélis: 'Magno Malta quer nos colocar como criminosos diante da sociedade'

CPI dos Maus-Tratos solicitou condução coercitiva para curador de 'Queermuseu' e o coreógrafo Wagner Schwartz
Gaudêncio Fidélis na exposição 'Queermuseu': "Caso seja obrigado a ir, meu desejo é me manifestar" Foto: Carlos Macedo / Agência O Globo
Gaudêncio Fidélis na exposição 'Queermuseu': "Caso seja obrigado a ir, meu desejo é me manifestar" Foto: Carlos Macedo / Agência O Globo

RIO — Possível alvo de condução coercitiva da CPI dos Maus-Tratos no Senado Federal (cujos requerimentos para o instituto processual foram aprovados nesta quarta-feira) junto com o coreógrafo Wagner Schwartz, Gaudêncio Fidélis, curador da exposição "Queermuseu", diz ter recebido com estranhamento a notícia e refuta o argumento de que teria se negado a comparecer à comissão. Na Agência Senado, a justificativa para a coercitiva ressalta: "Por não terem respondido ao convite para as audiências da comissão em São Paulo, Schwartz e Fidélis agora serão conduzidos por força policial à reunião da CPI".

— Em nenhum momento me recusei deliberadamente a comparecer. Na convocação anterior entrei com habeas corpus , que foi parcialmente deferido, questionando a minha presença na CPI de Maus-Tratos a crianças e adolescentes, por entender que uma exposição de arte não estaria no mérito das investigações — contesta Fidélis. — A decisão sobre o habeas corpus saiu apenas na noite do dia 3 de outubro, e a audiência estava marcada para o dia 4. Meu advogado então enviou um requerimento à comissão, explicando que não havia tempo hábil para o comparecimento, solicitando uma nova data para audiência. Depois disso, a CPI não procurou nem a mim ou ao meu advogado. Por isso recebi com surpresa a notícia da convocação coercitiva, por estar completamente fora dos procedimentos que regem o funcionamento da CPI.

Para o curador, a convocação é mais uma forma de manipular eleitoralmente as polêmicas que envolvem as artes nos últimos meses.

— A condução coercitiva é mais um passo neste processo de criminalização da arte que estamos assistindo. O senador Magno Malta, que preside a CPI, quer nos colocar como criminosos diante da sociedade. É curioso como a coercitiva foi aprovada dias após a nota técnica do Ministério Público esclarecendo ponto a ponto todas as questões envolvendo liberdade artística e proteção a menores — ressalta o curador. — A condução da CPI neste sentido está colocando o Senado Federal numa posição que não condiz com sua importância para a sociedade.

Fidélis também cita como exemplo do processo de criminalização da arte pela política a audiência conjunta na Câmara das comissões de Cultura e de Segurança Pública em que o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, foi ofendido pelo deputado Geraldo Carimbão (PHS-AL) — na ocasião, Carimbão disse que "queria pegar a mãe do ministro e botar de perna aberta para ver se ele gostava".

— São movimentos concatenados. Não havia sentido a presença do ministro ali, nenhum dos eventos artísticos citados tinha conexão com os debates da audiência. Há um claro interesse eleitoral em dar sequência à narrativa de criminalizar a arte — acusa o curador.

CROWDFUNDING PARA 'QUEERMUSEU' NO RIO

Fidélis adianta que seu advogado irá submeter um requerimento à CPI questionando a condução coercitiva e solicitando novamente a remarcação da audiência. Caso seja recusado, o curador deve solicitar novo habeas corpus ao STF:

— O habeas corpus anterior, deferido parcialmente, me facultava o direito de não me pronunciar. Mas, caso seja obrigado a ir, meu desejo é me manifestar para colocar às claras todos os aspectos envolvendo estas questões.

Enquanto isso, o curador dá sequência ao projeto de trazer ao Parque Lage a exposição "Queermuseu", censurada em Porto Alegre. Como adiantou Fernanda Pontes na coluna "Gente boa", do GLOBO , Fidélis assinou com o  governo do estado um MoU (memorandum of understanding), oficilizando o interesse de todas as partes em trazer a exposição para o Rio.

— Devemos lançar em 15 dias um crowdfunding para viabilizar a expoisção, por entender que a sociedade está engajada na sua realização. Ela teria a duração de um mês,  com um caráter simbólico, já que este era o período que faltaria para a sua duração original em Porto Alegre — observa o curador, que estima um custo superior a R$ 400 mil para a montagem de "Queermuseu" no Parque Lage. — Se fosse realizada no MAR ( Museu de Arte do Rio ), o custo de transporte seria menor, porque todas as obras viriam do Santander Cultural. Agora elas foram devolvidas e serão diferentes pontos de coletas. Mas acreditamos na sua viabilidade, além do crowdfunding há um grande movimento de artistas para trazer a mostra ao Rio.

MAGNO MALTA JUSTIFICA CONVOCAÇÃO COERCITIVA

Por meio de sua assessoria, o senador Magno Malta explicou, por email, a decisão de convocar coercitivamente curador e coreógrafo: “Toda vez que alguém é convocado em uma CPI, não convidado, convocado, e ele se recusa a comparecer, e no caso do Gaudêncio Fidélis, ele usou dois interlocutores aqui do Senado, um senador e uma senadora, que não citarei o nome, pedindo, alegando, que não chegou a passagem e que ele não poderia comprar a passagem e não é verdade porque o Senado é que manda a passagem. E a outro senador disse que teve um problema de família e que não poderia vir e se eu poderia considerar. Disse vamos verificar o erro, pois o senador é que tem o dever de mandar a passagem. Verifiquei e o Senado tinha mandado a passagem, não era verdade, só estava ganhando tempo. Em seguida chegou uma comunicação do STF. Ele havia entrado no Supremo para não comparecer para depor. Só que o Ministro Alexandre ( de Moraes ) explicou para ele o que é uma CPI e disse que deveria comparecer, citando os direitos constitucionais dele, que é de permanecer calado. É um direito constitucional que eu sempre repito aqui. Então na verdade, em função de não ter comparecido e usando as pessoas enquanto, na verdade, estava  entrando com ação no Supremo, é que eu disse que desta vez viria desta forma, isto foi lá traz ( sic ). E o outro, o coreógrafo Wagner Schwartz, a CPI se deslocou, foi para São Paulo, fizemos nossas audiências públicas, ouvi a mãe da criança, que veio, se apresentou a CPI, evocou o direito de ficar calada e ficou calada, na audiência, mas ele se evadiu e é uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Então quando você está fazendo uma investigação ouve que está no entorno e os atores, a mãe é uma das atoras ( sic ) e ele um dos atores e, simplesmente, ele se evadiu. Já naquela época foi feita a condução coercitiva, justamente por conta disso”.