Idosos sofrem em São Paulo com calçadas esburacadas e prédios sem acessibilidade

"Ao choro de uma criança todos socorrem. Já o sorriso de um velho a todos afugenta", costumava dizer a professora Ondina Lobo, que nos anos 1940 mobilizou empresários para a construção de uma casa para idosos sem recursos financeiros, no Alto da Boa Vista, zona sul de São Paulo.

Tantas décadas depois, a população envelheceu, mas essa frase não. A capital, que em 2017 aderiu ao programa SP Amigo do Idoso, com metas para melhorar a qualidade de vida dos maiores de 60 anos, por ora está mais para inimiga.

Deslocar-se pelas ruas é enfrentar calçadas esburacadas e sujas, semáforos com tempo insuficiente para a travessia, terminais de ônibus e prédios sem acessibilidade. Oportunidades de socialização, programas culturais e atividades físicas a baixo custo ou gratuitas até existem, a prefeitura tem opções e o Sesc é um modelo nesse sentido, mas as vagas são irrisórias.

E uma questão fundamental e cercada de tabus, seja qual for a condição financeira, é a moradia. A arquitetura discute modelos que se adaptem ao aparecimento gradual de dificuldades na mobilidade e que facilitem a convivência e o apoio entre vizinhos, mas o mercado imobiliário tarda em adotá-los.

Já quem precisa ou deseja morar em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos, como agora são chamados os asilos, depara-se com números desanimadores. Os pagos são poucos, 172, e caros, com mensalidade que podem chegar perto de R$ 20 mil. As ofertas gratuitas são ainda mais escassas, apenas 73 instituições sem fins lucrativos. Dessas, somente 14 são da prefeitura, com 480 vagas. E São Paulo tem atualmente cerca de 2 milhões de velhos, como diria a professora Ondina, com o sorriso a afugentar a todos.

William Mur

Longa permanência

Elidia Ighellka, 84, conta, brincando, que subiu na vida. Quando chegou ao Residencial Israelita Albert Einstein, há dois anos, ficou no quarto andar, reservado a quem não anda sozinho. Tinha quebrado o fêmur e usava cadeira de rodas. Recuperada, mudou-se para o sétimo, o dos mais independentes da instituição de idosos na Vila Mariana, zona sul, mantida pelo hospital de mesmo nome.

Ela antes morava sozinha e, ao sofrer uma queda, escolheu ir para lá. "Imagina morar na casa da filha e brigar com o genro!", diverte-se. Fundado pela comunidade judaica, o local tem 170 vagas, em parte gratuitas, para quem não pode pagar a mensalidade, de R$ 12.500 a R$ 18.500.

Os cuidados necessários aos moradores elevam os custos das Instituições de Longa Permanência para Idosos, o que ajuda a explicar por que há apenas 172 opções particulares e 73 sem fins lucrativos na cidade de São Paulo. Outro obstáculo é cultural. Ainda que o nome asilo não seja mais usado oficialmente, persiste a ideia de abandono. O que deve ser urgentemente superado, especialmente em razão da redução do número de filhos e de pessoas para cuidar dos mais velhos em casa.

"Entre 25% e 30% dos idosos precisam de cuidado e são desassistidos pelo poder público, que não acompanhou a mudança na constituição das famílias", diz Marilia Berzins, 60, presidente da ONG Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento. De fato. Fora as 14 Instituições de Longa Permanência para Idosos, com 480 vagas, a prefeitura tem somente sete centros para 702 moradores de rua acima dos 60.

Outro conceito é o da Vila dos Idosos, no Pari, região central. Gerenciado pela Cohab, oferece 145 quitinetes para idosos com renda de até três salários mínimos, que pagam pelo aluguel de 10% a 15% da aposentadoria. O espaço comum tem salas de TV e de jogos, salão de festas e horta. Inaugurado em 2007, só deixou de ser o único nesse formato em 2014, quando a prefeitura transformou um prédio da avenida São João no Palacete dos Artistas, com 50 apartamentos para idosos uma carreira artística.

Esses projetos públicos se assemelham aos particulares "cohousing", condomínios de casas ou apartamentos para idosos, com uma convivência colaborativa, mais difundidos na Europa e nos EUA. Há mais de um ano, a arquiteta Lilian Avivia Lubochinski, 69, tenta organizar o primeiro de São Paulo.

Outra discussão internacional longe da realidade paulistana é o "aging in place", envelhecer no lugar ou em casa. A ideia é manter o idoso em casa, mesmo que precise de apoio. Para isso, as residências deveriam preferencialmente adotar o desenho universal, que são plantas com total acessibilidade. E seriam necessários programas de assistência em domicílio, praticamente inexistentes por aqui. A prefeitura até tem um serviço de alimentação domiciliar para idosos. Que atende 180 pessoas.

Mobilidade Urbana

Óculos embaçados para enxergar menos, fones de ouvido que dificultam a audição e pesos amarrados aos braços, às pernas e às costas a fim de complicar a caminhada. Motoristas de ônibus sentiram na pele a dificuldade que idosos enfrentam no transporte público para fazer sinal para o veículo certo, vencer degraus em meio à pressa paulistana e muitas vezes permanecer de pé durante longos trajetos.

O treinamento, realizado pela Prefeitura de São Paulo em 2017, é citado por Clotilde Benedik de Sousa, 68, presidente do Conselho Municipal do Idoso, como um caminho para tornar mais amigável o deslocamento dos mais velhos pela cidade.

A mobilidade é considerada pela Organização Mundial da Saúde indispensável ao envelhecimento saudável. Deve-se pensar o ir e vir não só como necessidade. Mas como oportunidade de encontros, de conviver com o entorno, diz o livro Habitação e Cidade para o Envelhecimento (Portal Edições), que aponta obstáculos levantados em pesquisa na região metropolitana de São Paulo: falta de segurança, má qualidade dos serviços, tempo curto dos semáforos para a travessia das ruas e calçadas esburacas, sujas e sem iluminação.

A Prefeitura de São Paulo afirma ter, desde janeiro de 2017, revitalizado e tornado acessíveis, com instalação de rampas, 12,6 mil m2 de calçadas. Para se ter ideia do que isso significa em relação à cidade, basta saber o que há de calçada, por exemplo, somente na rua Augusta: 16 mil m2.

Presidente do SPUrbanuss, o sindicato das empresas de ônibus de São Paulo, Francisco Christovam, 65, aponta ainda como desafios a elevação dos pontos de ônibus, que facilitaria o embarque e desembarque, e a reforma dos terminais, em grande parte sem elevadores e escadas rolantes. Dos 6 milhões de passageiros diários na cidade, 1,34 milhão é idoso ou tem deficiência. Segundo o sindicato, na frota de 14,4 mil veículos, 13,3 mil são acessíveis, com elevador ou piso baixo. Os modelos superarticulados, nesse caso apenas 1.291, são os mais amigáveis em razão de um sistema que faz com "se ajoelhem" nos pontos, aproximando-se do nível da calçada.

Mas tem algo que nem veículos modernos nem a estrutura resolvem: "Além de treinar os funcionários, temos de investir em campanhas para o usuário. Cansamos de ouvir relatos de motoristas que, ao se aproximar de um ponto de ônibus em que há um cadeirante, escutam de outro passageiro: `Toca, não para'." Dá para duvidar que essa figura esteja sentada no banco preferencial deixando um idoso de pé?

William Mur

Envelhecimento ativo

Claudio Finzi, 90, é editor do jornal do Residencial Israelita Albert Einstein, onde mora em um quarto cheio de quadros pintados por ele. É vizinho de Miriam Fuks, 91, corintiana fanática que vez ou outra vai a jogos com outro vizinho, com quem recentemente terminou o namoro, Icchok Josel Gruc, 92. Afixada na parede, a programação da instituição na Vila Mariana onde residem 150 idosos tem bingo até de manhã, dança, música, jogos etc. E uma pergunta lá é proibida: "O que você era?". "Ninguém era nada, continua sendo", diz a gerente, Nívia Pires, 47.

No Alto da Boa Vista, também na zona sul, a Casa Ondina Lobo, com 71 idosos sem recursos financeiros, supera dificuldades orçamentárias com parcerias, doações e voluntários para manter atividade, como sessões de reiki, cinema e a oficina de artesanato que ensinou Rubens Assis, 93, cego e residente há 30 anos, a fazer bolsas.

Desde a década de 1990, quando começou um projeto com idosos, Luiz Roberto Ramos, 65, diretor do Centro de Estudos do Envelhecimento da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), constata a importância de se manter ativo no envelhecimento. "Estudamos um grupo que faz atividades físicas e aulas de computação e outro que não. Os ativos têm desempenho melhor em testes cognitivos." Em parceria com a prefeitura, a universidade coordena o programa Bairro Amigo do Idoso na Vila Clementino, zona sul, cujas metas são definidas pelos idosos. Ramos reconhece que é uma exceção na cidade, em que as ações são "descoordenadas e incipientes".

Diante de uma população de 2 milhões de idosos, as ofertas soam mínimas. São 46 os centros esportivos municipais com atividades físicas para a terceira idade. A prefeitura tem 91 Núcleos de Convivência para Idosos, com 12.580 vagas para cursos. O Centro Dia, em que idosos com alguma dependência são deixados pela família para passar o dia, tem 16 unidades, 480 atendidos. "O envelhecimento é rápido, e a política pública, lenta", diz Clotilde Benedik de Sousa, 68, presidente do Conselho Municipal do Idoso, que conseguiu um fundo para captar recursos, por ora com apenas R$ 1 milhão.

Pioneiro em iniciativas que estimulam a atividade e a convivência entre idosos, que começaram em 1963, o Sesc tem no Estado de São Paulo mais de 190 mil matriculados acima dos 60 anos, cerca de 26 mil em atividades esportivas. Os programas têm vários, como a discussão sobre sexualidade, que neste mês recebeu no Sesc Pompeia o escritor e ativista LGBT João Silvério Trevisan, 73, e a dançarina Rita Cadillac, 63.

"Instituições, autoridades e sociedade têm de refletir sobre o envelhecimento da população colocando os mais velhos como protagonistas, alguém que pode ser mais lento no movimento, mas é sábio", diz Danilo Santos de Miranda, 75, diretor do Sesc SP, que resume bem a questão: "O idoso não pode ser tratado como um ex".

Colaborou LAURA LEWER

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